1. Hoje de manhã, depois de uma aula que, confessemos, saiu dos trilhos, uma aluna perguntou-me o que eu entendia sobre espiritualidade e sobre espiritual, a espiritualidade humana, de um lado e, de outro, as coisas espirituais.
2. Minha resposta:
a) "espiritual", considerando-se o que imaginamos que haja "do outro lado", é da dimensão do mito. Você pode jurar de pé junto que há, mas você apenas acredita - e devia saber disso. Ninguém "sabe" o que há e se algo algo "lá" - todos que creem, apenas creem. Um, nisso, outro, naquilo, outro, ainda, naquilo outro, cada crença destronando a outra, cada mito pondo-se sobre todos os demais, numa orgia de fantasias tomadas ao pé da letra. Nada, absolutamente nada do que consideramos "do mundo espiritual" tem, para nós, condição além da do mito - eventualmente, como sabe?, são até reais (eventualmente, não o que nós cremos, mas, justamente, o que os hereges creem!) - todavia, é apenas isso, crença em coisas da condição de mito. Não, não faço exceções. A ninguém.
b) "espiritualidade" - termo horrível, posto que comprometido com uma visão, dentre outras possíveis - constitui, por outro lado, uma abertura para o mistério, a sensibilidade para uma interpretação aberta da vida, para um sentido da vida que incorpore o sentimento de pertença à ordem das coisas. Espiritualidade é uma condição psicológica, também do corpo, da vida, uma faculdade psico-cerebral, que pode se atualizar em contextos religiosos ou não: pode se atualizar na arte, no erótico, na guerra, nos jogos, na música, no teatro, no cinema... Espiritualidade não é um produto da religião: a religião apenas cuidou ser seu shopping exclusivo...
3. Assim, espiritualidade é algo imensamente superior ao "(o) espiritual". Ninguém precisa crer em anos, demônios, capetas, tranca-ruas, arcanjos, exus, Budas, deuses, Deus, para ser espiritual. Para ser espiritual, basta por-se em sintonia profunda com aquilo que o toca incondicionalmente - seja, nesse caso, um mito sagrado, seja uma expressão da arte humana...
4. Já os mitos, aquilo que nos contamos a nós mesmos sobre o outro lado, bem, cinema de cinquenta mil anos: quando as telas de projeção eram nossas mentes, nossos corpos e nossa vida inteira...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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