sábado, 6 de abril de 2013

(2013/404) Foucault, a Revolução Islâmica e a relação entre verdade e política


1. O pior problema possível para a Política e para a Heurística - em campo epistemológico - é a promiscuidade com que se usa o termo "verdade". Grande parte de - tenho impulsos de dizer "todo" - o problema epistemológico do século XX foi a incapacidade de os debatedores separarem, programática e eficientemente, Política e Heurística. Pelo contrário, uniram-nas em seu ativismo sócio-político.

2. Vejam, por exemplo, essa declaração de Foucault, nos dias em que defendia a Revolução Islâmica:
O problema político mais geral não é aquele [acerca] da verdade? Como ligar uma e outra, a maneira de dividir o verdadeiro e o falso e a maneira de se governar a si mesmo e os outros? A vontade de fundar, de modo inteiramente novo, uma e outra, uma pela outra (a descoberta de uma toda outra divisão [do verdadeiro e do falso], mediante uma toda outra maneira de se governar, e se governar de um modo todo outro a partir de uma outra divisão), isso é a ‘espiritualidade política’.
3. Filósofos - e teólogos! - aceitaram a tese de que a "verdade" é o termo que une a Política à Ciência. Interpretou-se a modernidade como a opressão do Poder, através do monopólio do uso do conceito de "verdade" e, assim, atacou-se a própria verdade como meio de atacar o poder.

4. Nietzsche fizera o mesmo no século XIX, depois que se deu conta do uso político do conceito de "verdade" - e, naturalmente, quando se deu conta de que esse uso redundaria na perda substancial de sua sociedade aristocrática (cf. Domenico Losurdo).

5. O raciocínio é simples, conquanto equivocado: a) o Poder (isto é, aquilo contra o que "eu" luto!) sustenta-se no controle do discurso da "verdade", logo b) a "verdade" é um instrumento de opressão que o Poder usa contra "mim", de modo que, c) se eu destruir o conceito de verdade, eu destruo o controle que o Poder tem sobre "mim"...

6. O desejo de que o Poder tire suas garras de sobre nós é legítimo e louvável. O argumento de que isso tenha alguma coisa a ver com a "verdade" é um equívoco grosseiro, tão grosseiro quanto imaginar que uma "revolução" teocrática possa trazer algum benefício para a raça humana...

7. Em Política, não há verdade. Verdade é um conceito restrito à relação de identidade entre discurso e real. Quando essa relação é desconsiderada, o sentido de verdade se dissolve em Poder, em gosto, em democracia...

8. Por exemplo, passa ser verdadeiro o que o Governo diz, ou o que eu acho de determinado texto, ou o que nós decidimos como verdade... Trágico, cômico, equívoco.

9. É preciso separar as coisas. Em Política, não há verdade - há poder. A verdade permanece restrita à Heurística - onde, por questões políticas, o Poder pode imiscuir-se. Mas deveríamos deixar o uso da palavra verdade apenas para a relação entre discurso e real. Isso evitaria que repetíssemos o erro grosseiro de Foucault...


(cf. Leon Farhi Neto, 1978: Foucault e a Insurreição Iraniana [revelador o termo "insurreição"] e Janet Afary e Kevin B. Anderson,  Foucault and the Iranian Revolution - gender and the seductions of Islamism).





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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