1. "E agora, uma última palavra: qual deveria ser nossa atitude diante da religião da qual somos teólogos?". Tillich não sabia, mas essas, de fato, seriam suas últimas palavras - pelo menos, públicas. Ele as proferiu ao 12 de outubro de 1965 - e morreria dois meses depois. Foi sua última conferência. Curiosamente, ele morreu no dia em que nasci...
2. Acho curiosa essa formulação: "religião da qual somos teólogos".
3. Ela não aponta para uma fronteira, um limite? Ela não põe o teólogo dentro de um campo e estabelece, aí, as suas muralhas? Ele, o teólogo, é teólogo dessa religião. Ele pensa essa religião. E, vinculado a ela, pensa-a a partir dela mesma. Ser crítico, aí, é ser crítico para ela - é trabalhar para ela. É, equivoco-me?
4. Essa última conferência de Tillich é reveladora, porque é a prova de dois fatos: a) Tillich estava mesmo se aproximando da Fenomenologia da Religião - o que faz muita gente considerar que é possível "usar" Tillich nesse campo. Todavia, ela também é ainda prova de que b) Tillich mesmo não operava fenomenologicamente... Ele é teólogo ontológico, homem de fé, de Igreja, comprometido - conquanto não um desavisado...
5. Não vou me delongar. Tillich defende cinco teses iniciais em sua conferência. Elas falam por si mesmas.
I. As experiências revelatórias são universalmente humanas;
II. O homem recebe a revelação no contexto de sua finitude humana;
III. Não há apenas "determinadas experiências da revelação", há também o próprio processo de revelação, humanamente marcado e, portanto, sujeito à crítica;
IV. Um acontecimento pode (o grito é dele) tornar-se central na História das Religiões...
V. A História das Religiões, em sua natureza essencial - não se desenvolve dentro da história da cultura.
6. Para mim, isso basta. Estou diante da teologia clássica, sem tirar nem pôr - em sua expressão básica. Não há nada de realmente religioso-fenomenológico nesse esquema: é teologia metafísico-ontológica, empregando, retoricamente, a estrutura discursiva da Fenomenologia da Religião. Mas só a sua estrutura - não seus compromissos epistemológicos...
7. Tillich confessou, nesse dia, que cometera um pecado: lutara com e contra cultura - e se esquecera das religiões. Mas, ele disse, corrigiria esse pecado e trataria de lutar com e contra as religiões - e fazer assim, sua Sistemática abarcar tudo e todos...
8. Bem, pelo jeito, Deus tinha outros planos...
9. Quanto a mim, não sou teólogo de uma religião. Sou teólogo de nenhuma e de todas. De nenhuma, porque não estou "a serviço" de nenhuma e, de todas, porque estou a serviço de todas - mas não para lhes dar fundamento, corpo, coerência: para lhes dar tão-somente o que posso: a crítica de sua alienação fundamental, de sua self deception - e não um auto-engano das massas ignorantes, mas um auto-engano da própria élite do establishment, aos olhos de quem a massa é ignorante, mas, a outros, mero reflexo.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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