quarta-feira, 27 de março de 2013

(2013/349) Do que acho seja o dever de teólogos sérios

1. Teólogo qualquer um é: desde que fale - "Deus existe" ou "Deus não existe", é teólogo. Dawkins é teólogo, tanto quanto o Dalai Lama.

2. Mas há teólogos e teólogos.

3. Dawkins e o Dalai Lama são do mesmo tipo: pensam Deus ou o não-Deus e repetem isso à exaustão, cada qual atrás da prova final...

4. Para mim, esses teólogos não dizem nada.

5. Para mim, um teólogo, se teólogo pra valer, se leva a sua vocação de teólogo às últimas conseqüências, é alguém que:

a) não pensa o divino - posto que, no limite do pensamento, é mito: o teólogo que julgo sério pensa o pensamento do divino, isto é, o pensamento que se pensa sobre o divino;

b) pensa criticamente a sua tradição e a vira do avesso - não negocia, não esconde as coisas, não seleciona itens, não vai pelo caminho que dá o melhor resultado para a tradição: pelo contrário, ele provoca justamente os lugares frágeis, como quem, andando sobre um lago congelado, sob a fina camada de gelo, pula, até que ela trinque e quebre...

c) expõe as contradições de sua tradição - todas elas, mesmo as contradições incontornáveis, aquelas que, assumidas, implicam a completa obsolescência da estrutura até então montada - é sua vocação, sua função, seu trabalho - ser tiver de derrubar tudo, ele derrubará...

d) não justifica o presente - analisa-o, sem condescendência, em todos os seus momentos e lugares: e vai ao passado, buscar as origens disso tudo, de cada coisa, do bem e do mal a que se reduziu a sua tradição...

e) depois de fazer o trabalho sujo na própria tradição, de reduzi-la a uma transparência constrangida e constrangedora, de deixá-la nu e sem soberba, depois de derrubá-la dos céus e devolvê-la aos seus, está na hora, então, de rezar, se for o caso...

6. A Igreja deveria reconhecer que, no fundo, ele trabalha para ela. Mas ele deve saber que ela não reconhecerá seu esforço, porque ela ainda acredita que o trabalho da Igreja é pavonear-se, vaidosa, sobre a lama de sua própria história...

7. Assim, o teólogo sério saberá que toda incompreensão deverá ser perdoada: porque ele trabalha sempre para as gerações que ainda virão...

8. Só o amanhã pode escutar, sem gemer, as palavras duras que o hoje deve ouvir.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Unknown disse...

Excelente texto no qual você tem a audácia, a coragem, a ousadia, a transparência e aqui cabem ainda por redundância quilos e quilometros de sinônimos e adjetivos, de se colocar do lado do avesso e revelar a sua "alma". Você é muito inteligente, arguto, polêmico, etc... digamos lá o que quisermos dizer, mas é verdadeiro e sincero. Suas palavras chocam em nossas mentalidades ou interioridades conforme quisermos assimilá-las ou subssumi-las. À mim não me remove aquilo no qual creio e ao contrário, enriquece o meu entendimento e como devo crer, seja no AT, seja no NT. Cara somente é impossível não gostar de você.

Anônimo disse...

“Para mim, um teólogo, se teólogo pra valer, se leva a sua vocação de teólogo às últimas conseqüências, é alguém que:

a) não pensa o divino - posto que, no limite do pensamento, é mito: o teólogo que julgo sério pensa o pensamento do divino, isto é, o pensamento que se pensa sobre o divino (...)”

Então, voltando à postagem 2013/342 – “Quando teu Cristianismo é pecado “, qualquer Cristianismo que se ofereça, seja o católico latino, o católico oriental, o protestante, o espírita ou qualquer outro, seja o conservador ou o progressista, seja o de qualquer comunidade que escreveu cada Evangelho na tradição do seu fundador ou o de Paulo nas suas cartas, qualquer um é mitologia.

Mas, e Deus em si – o noumeno?
Se ao nível do pensamento ele é mito, haveria um nível em que ele seria real?

Talvez ao nível estético, fechada a porta atrás do homem, ao nível da fé-enquanto-encontro, naquele intervalo entre a sede saciada no passado e a sede a se saciar no futuro, quando a corsa grita pela fonte das águas, e o homem também?

Ali, onde só há sede, onde só há saudade, talvez ali ele seja real, na realidade da sede e da saudade que doem demais... ali ele é Deus... deus... deuses... deusas.

Certamente não em um corpo de doutrinas bem sistematizadas – mitologia onde ele é mito – que o homem traz na ponta da língua e que não o deixa ansiar por ele, porque ele é um ídolo – eidolon, no grego, imagem do próprio homem refletida no que ele, homem, projeta de si mesmo naquilo que diz sobre Deus -, como se a corsa pudesse levar um reservatório de água sempre com ela e que nunca mais lhe permitisse gritar pela fonte, pois foi substituída.

Na sede... na saudade... em espírito... em verdade...

Peroratio disse...

Desde que nunca mais do que isso...

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