terça-feira, 26 de março de 2013

(2013/343) Elegia de mãe e filho às vésperas da Páscoa


_ Meu filho, não fica falando essas coisas por aí. Não provoca...

_ Minha mãe: não estou provocando, estou apenas fazendo o povo enxergar que há alternativas...

_ Não seja ingênuo meu filho. Você sabe que as autoridades de Jerusalém vão fazer mal contra você...

_ Eu sei me cuidar, mãe...

_ Sabe nada, Jesus, não sabe, não. João dizia a mesma coisa!

_ Pobre João... Mas João foi se meter com o Governador! Eu estou falando de Deus, é diferente...

_ É tudo a mesma coisa, meu filho. Deus foi raptado pelas autoridades, está amarrado agora mesmo no altar do Templo...

_ Por isso mesmo, mãe, eu quero fazer o povo aprender que Deus não é aquilo que o Templo ensina, que ele é Paizinho...

_ Paizinho... As autoridades vão dizer que você está ensinando o povo a não ir ao Templo, a não frequentar as sinagogas...

_ Não vão estar errados... Basta o quarto de cada um...

_ Pois então, Jesus. Você vai ser tomado como subversivo. Vão odiar você e vão arrumar causa contra você. Mais cedo ou mais tarde me fazes sofrer, meu filho...

_ Mãe, mãe... Já sofres desde sempre. Quando nasci, te fizeram ir ao Templo para purificar a tua imundície, mãe! A tua imundície!

_ Não me importo, meu filho. Só me importo com você. Morro de medo de que te façam mal, meu filho. Não durmo de noite... Quando você sai, meu coração bate forte e rápido. Às vezes, acho que vai parar...

_ Ô, mãe... Não quero que sofras...

_ Então abandona essa vida, Jesus.

_ Não posso, mãe...

_ Claro que pode! Abandona essa vida de andarilho e pregador, essas ideias de revolução. Esquece isso tudo. 

_ Não posso, mãe...

_ Claro que pode. Casa com Madalena...

_ Mãe!

_ Sabes que ela te ama...

_ Não posso pensar em mim, mãe. Essa gente... Tanta gente oprimida. Quando não é o Templo é a Sinagoga, quando não é a sinagoga, é Roma. Só têm quem os oprima. Alguém precisa ajudá-los. Eles vivem uma vida de sofrimento, mãe...

_ E é essa a vida que queres para mim?

_ Não, mãe!

_ Matam-te, meu filho. Essa gente religiosa é má, tem parte com o demônio! Matam-te - e acabam com a minha vida...

_ Não me matarão, mãe. O povo está comigo. Aclamam-se messias. Seguem-me. Eu os liberto do sábado, eu os liberto dos fariseus, eu os liberto do Templo, eu os libertarei de Roma. Eles serão livres...

_ Não, meu filho: eles te matarão e matarão a eles. O poder não se curva, meu filho, mas o teu corpo será curvado como um graveto...

_ Mãe, precisas confiar em Deus, mãe!

_ Confiar em Deus...

_ Sim, Deus está comigo, mãe - comigo e com o povo!

_ Deus também estava com os sacerdotes quando me fizeram purificar-me da minha imundícia, meu filho. Foi Deus quem escreveu que sou imunda... Cada um faz Deus estar do seu próprio lado - e Deus está sempre do lado de quem me faz sofrer...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Anônimo disse...

"Cada um faz Deus estar do seu próprio lado - e Deus está sempre do lado de quem me faz sofrer..."

Mas há o Deus que caminha no meio de todos, imune à cooptação de uns e de outros, e disponível a um algo bom que possa haver em uns e em outros?

E se há, como identificá-lo? Como conhecê-lo? Como extraí-lo disso tudo que dele disseram e escreveram os que sempre o fizeram fundamento das suas próprias torpezas?

Tem como essa Páscoa acontecer de fato e de verdade, de forma efetiva em nossas vidas, hoje?

Quando for essa Páscoa o lamento - "Confiar em Deus..." - poderá perder o seu suspiro de desencanto e se fazer acompanhado de um de descanso.

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