1. Esse não me parece apenas um mito de ignorância, mas de má fé.
2. Porque não se trata de abraçar um princípio: se trata de descrever um fenômeno histórico e, nesse caso, se você é 1% honesto, você descreve o fenômeno, e não o que você gostaria que ele fosse - ou você é comentarista da Globo?
3. Não é verdade que a Igreja católica aumentou a Bíblia. A verdade é que Lutero a diminuiu.
4. E Lutero diminuiu a Bíblia em dois sentidos: a) primeiro, retirou dela todos os livros que não se encontravam no cânon dos fariseus e b) retirou dela Tiago. A desonestidade da retórica protestante/evangélica, nas igrejas, é tanta, que acusa-se, como "crime", a Igreja Católica ter aumentado a Bíblia - o que é falso -, mas não se escandalizam com o fato de Lutero ter arrancado um pedaço dela...
5. Na verdade, a Igreja cristã usou o cânon tradicional dos LXX em toda a sua história, o que o revela a Vulgata. Naturalmente que é muito difícil saber que livros a Igreja usava, realmente, quando surgiu, no século I e II depois de Cristo. Todavia, é impossível mesmo saber até que livros os judeus usavam nessa época...
6. Os judeus e, por isso, os cristãos, usavam muitos livros. Se considerarmos os livros que estão na Bíblia católica (Eclesiástico, Sabedoria, Macabeus, Baruque, Judite, Tobias, acréscimos a Daniel) e os que não estão nem na Bíblia católica nem na Bíblia de Lutero, livros que hoje se chamam apócrifos, devemos ser honestos em admitir que os judeus e os cristãos usavam, indistintamente, todos esses livros - os canônicos, os deuterocanônicos e os apócrifos - todos!, sem exceção e sem distinção. Para eles, eram, todos, livros sagrados, igualmente, revelados, santos, inspirados...
7. Quando a carta atribuída a Pedro fala de "toda profecia" como "inspirada", não se pode - honestamente - afirmar de que livros ela está falando. Quem usa esse verso (2 Pd 1,21) para homologar o seu cânon, o cânon de sua igreja, usa de fraude: ou é ignorante ou usa de má fé.
8. Quando a carta atribuída a Paulo fala que toda a Escritura é revelada ou que toda Escritura revelada é etc., etc., etc., ninguém, honestamente, pode dizer de que livros se está falando - o autor pode estar se referindo também aos apócrifos e deuterocanônicos (2 Ti 3,16).
9. Quando Paulo pede a Timóteo que, quando de sua visita, lhe leve os rolos e os pergaminhos (2 Ti 4,13), não se pode, honestamente, dizer quais - podem ser todos: os "nossos" canônicos, os deuterocanônicos, os apócrifos e até manuscritos gregos.
10. Por razões que me parecem relacionadas à apropriação do conceito de "verbo encarnado" - a Sabedoria que sai da boca de Yahweh, logo, é verbo, e arma a sua tenda em Jacó (Sb 7 e Eclo 24 e Bar 3-4) -, os fariseus entrarão em guerra irreversível com os cristãos da sinagoga e os expulsarão, passando a recusar, eles, os fariseus, esses livros, da LXX, como "inspirados" - para mim, aí está a causa de o cânon fariseu ser menor do que o de Jerônimo.
11. Os Cristianismos, todavia, permanecerão com a Septuaginta, que, traduzida para o latim, converte-se na clássica Vulgata, que permaneceu inconteste por séculos - um milênio inteiro, ao menos.
12. Até que Lutero rasgue o cânon, jogue fora, como os fariseus do século I, os deuterocanônicos (além de Tiago) e invente um cânon realmente novo - que nunca antes existira.
13. Diante desse fato histórico, a Igreja cristã se reúne em Trento e analisa o feito do reformador. Compreensivelmente, ratifica o cânon histórico - o cânon da Vulgata/LXX. E insiste: nós manteremos a tradição católica apostólica romana.
14. Daí e diante, a retórica - ignorante e de má fé - da tradição das igrejas (mas não dos pesquisadores!) protestantes/evangélicas divulgará a fraude: os católicos aumentaram a Bíblia...
15. Não é verdade.
(...)
16. Se eu estou "pregando" o retorno ao cânon dos LXX (da Vulgata)? Não - não seja tonto! Cânon é decisão histórica. Se os protestantes nascem com esse cânon cortado, que permaneçamos nele (mas por que devolvemos Tiago, hã?). O que estou dizendo é que paremos de mentir - os católicos não aumentaram a Bíblia: nós é que a diminuímos. Que permanecemos assim não diz nada sobre o próprio cânon: diz é muito sobre nós mesmos.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
(PS. se algum leitor ou leitor dispuser de informações históricas que contrariem as informações acima, gostaria de ter acesso a elas. Opiniões teológicas e eclesiásticas sobre o caso, todavia, não me interessam - salvo se forem reflexões não apologéticas, conquanto polêmicas, no campo da expressão da dúvida honesta).
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