segunda-feira, 11 de junho de 2012

(2012/478) Do êxtase da arte, negado-me, vingo-me cá debaixo


1. Quisera-me o dom da música instrumental - tanger nos braços o violoncelo, como ao corpo da  amada. Negaram-me.

2. Quisera-me o violino, posto ao ombro, a raspar as cordas e a fazer gemer as pedras de Gibraltar. Negaram-me.

3. O piano, o violão, o sax. Negaram-me.

4. Dorme dentro de mim um artista morto, frustrado, que sente que podia, se um dia fora vivo, executar as peças de maior dor e angústia, de delírio supremo e êxtase inextinguível a 33 notas por segundo e além... Fazer gemer as Musas, e não de dor... Negaram-me.

5. Lamento, senhores, é o sentimento de minha alma...

6. Mas negada me foi a arte, o dom, a magia, a divindade...

7. Então, vingo-me com toda a minha hiper-racionalidade, minha hiper-crítica, minha inquebrantável condição de manter-me alerta a tudo e contra tudo, a não deixar passar o ar sem que eu o denuncie...

8. É a minha vingança. Minha pequena e mesquinha vingança...

9. Aos tolos elas cabem, as pequenas vinganças da alma...

10. Mas a que preço calariam a dor da morte da alma?

11. A racionalidade é o vazio que me cabe após a morte da arte...

12. A racionalidade é meu túmulo...

13. E, por isso, senhores, sabei, é minha ressurreição...



Osvaldo Luiz Ribeiro

PS. alguém entendeu que esse post significa que a "igreja" não me deixou cantar e que por isso eu me tornei um crítico... Em linguagem de batalha naval, água. A terceira pessoal do plural usada por mim em "negaram-me" é uma referência velada a Deus e uma referência pseudo-teológica à vida. Não tem nada, absolutamente nada a ver com o que a igreja deixou ou não, porque, cá entre nós, que poder ela teria para deixar ou não deixar, se me tornei dono do próprio nariz? Não, minha briga não é com a igreja, é com a vida, porque ela me fez crítico e não músico. 

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