1. Qualquer um pode submeter-se a doses administradas de gás do riso, cair sob seu efeito, e, todavia, não ter a mínima ideia de por que o efeito se dá. Qualquer um pode ingerir doses administradas de ayahuasca, viajar até os mundos do inconsciente, ter as suas visões alucinadas e, todavia, não ter a mínima ideia do processo químico envolvido. Qualquer um pode ver a flor de lótus abrir-se e, todavia, não saber nada de botânica e de ótica.
2. Da mesma forma, pode-se experimentar a religião sem se ter a mínima ideia de seu funcionamento antropológico, psicológico, biológico.
3. Eu entendo os que ignoram essas coisas.
4. Não entendo os esclarecidos.
5. Quero ser específico em meu espanto: eles, os esclarecidos, sabem do que se trata. Sabem o que significam os deuses, as liturgias, os cantos, os mitos, os ritos. E, no entanto...
6. Sim, a despeito de eu saber como funciona o gás do riso, eu posso, ainda assim, submeter-me a doses administradas. Posso ingerir ayahuasca. Posso olhar, enlevado, a flor de lótus. Todavia, se eu entendo tudo isso, não direi que nenhuma delas é outra coisa que não aquilo que eu sei que ela é. Entregar-me ao êxtase não exige minha cabeça...
7. Mas no caso da religião, os letrados, que sabem do que se trata, entregam-se a ela e arrastam fieis - todavia, não denunciam que ela, a religião, é aquilo que ela é, antes, portam-se como os ignorantes, narrando-a a partir dos mitos que ela mesma engendra.
8. Por quê?
9. E por que há letrados que tentam, por todos os meios, justificar a religião não pelo que ela é, mas, justamente, ou diretamente pelo mito que embevece a ignorância, ou indiretamente por meio de retóricas modernas de poesia e metáfora?
10. O que está em jogo, quando se trata dos letrados?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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