sábado, 2 de julho de 2011

(2011/413) Do "Deus" banqueiro e da dívida impagável, que um certo Jesus de João 8,11 não reconhecia (há perdão no Cristianismo?)



1. Direto ao ponto: é legítimo falar em "perdão" na Teologia cristã? Minha resposta: não, não é. Não é legítimo falar de "perdão" na Teologia cristã, pelo fato simples e raso de que mesmo Paulo já sabia que a promissória da dívida humana foi rasgada e pregada na cruz. Na cruz, o "preço" foi pago - porque "sem sangue não há remissão de pecados". Logo, não houve "perdão" - matou-se o Cordeiro, no altar do sacrifício, e, assim, "deu-se" a dívida por paga. Que o "cordeiro" tenha transformado-se no próprio Deus, mais tarde, não muda o fato de que nem mesmo esse Deus "podia" dar de ombros diante do "pecado" humano e relevar... Esse "Deus" paulino e maximamente pós-paulino só tem uma alternativa: derramar sangue e, assim, "cobrir uma multidão de pecados". Perdoar, não.

2. Uma outra alternativa poderia ter sido perseguida pelas Igrejas "primitivas". Mas não foi. A via que se seguiu foi essa: a cruz como sacrifício do Cordeiro, aquele Cordeiro que "tira o pecado do mundo", e que Hebreus vai diferenciar dos cordeiros diários do Templo pelo fato de ter sido um Cordeiro único - único ou não, Cordeiro: nos mesmíssimos moldes, porque, afinal, foi como cordeiro morto que o messias morto foi "lido"...

3. Refiro-me ao episódio de Jesus e a mulher pega em flagrante adultério - talvez, texto não-joanino, de fato. E que diferença faz? Para mim, nenhuma - trata-se de uma alternativa disponível e, quanto mais tarde ela aparece, tanto mais revela que houve vozes horrorizadas com os (des)caminhos da "teologia" (cristã) da cruz.

4. Na passagem, um Jesus inaproveitável para Paulo e, de resto, para a Teologia cristã, declara, para qualquer um ouvir, que ele não condenava a mulher - e que ela fosse, e não pecasse mais. "Nem eu te condeno" (Jo 8,10-11) - precisa repetir? Para mim, basta uma vez (ao menos hoje, depois de muita caminhada - mas, há alguns anos, "fingiria" que não entendi o que, sim, entendi, sim).

5. O problema para esse Jesus é que, se ele não condena, não há necessidade de salvação, nem de salvadores, nem de cordeiros, nem de Cordeiro, nem de cruz... E, todavia, morto, Jesus foi interpretado por meio do sacrifício sacerdotal. O que, todavia, me parece ter sido "acidental"...

6. Digressão: penso que o arrazoado teológico severamente conciso que está em Gl 13, 6-14 tenha uma pré-história pré-paulina (não é à toa que está em Gálatas, comunidade sob "ataque" de pregação judeu-cristã, eventualmente de judeus[-cristãos] de Jerusalém), que eu apresentaria na forma da seguinte hipótese:

6.1 Morto o seu messias, um judeu aderente recebe o escárnio de um judeu não-aderente, que declara que o "messias" a que o amigo tanto aderira era, no final das contas, um maldito, porque maldito é todo aquele que for suspenso no madeiro (Dt 21,23). Contrariado, mas sem poder negar os fatos, o judeu que aderira a Jesus reflete, reflete, reflete, tentando resolver uma questão: de que forma Jesus podia ser, ao mesmo tempo, messias e maldito?

6.2 E a saída lhe vem, nos termos de minha hipótese, por meio da intuição midráshico-alegórica de Is 53 - maldito ele foi, mas por nós! Isso também está em Gálatas: "tornando-se maldito por nós", na mesma passagem (Gl 13,13).

6.3 Daí, de explicar-se Dt 21,23 à luz de Is 53, a questão era justificar como a cruz podia ser maldição por nós. Se a maldição se explica pelo "madeiro", como se explica o "por nós"? Ora, mais uma vez, pela leitura alegórico-midráshica: a cruz é altar, e o messias, cordeiro. Pronto - transposição simbólica, e eis toda a "teologia cristã", ou, pelo menos, seu fundamento último.

6.4 Aliás, o fundamento último dessa teologia não é outro que não o Templo de Jerusalém - com quem Jesus mantinha relações as mais inamistosas. Todavia, não é que vai ser "lido" justamente por aí? Ironia? Daquelas!

6.5 Seja como for, encontramos a outra alternativa: para que templo? Para que "condenação"? "Eu não te condeno, minha filha - vai, e não peques mais...". Louco, esse messias. Sem condenação, como haverá culto?, rito?, missa?, papa? Não admira que o tenham matado! Isto é, se é que algum dia ele pensou e disse isso...

7. A "teologia" que vingou, todavia, ignora a fala de seu próprio messias, submumida que foi ao seu verdadeiro hierofante - Paulo. E, pronto, temos a teologia da culpa, do cordeiro, do sacrifício, da dívida, do sangue, do "perdão" - que, eis o ponto, é "perdão" apenas no nome, porque, para ela, nos termos dela, dessa teologia, para que haja "perdão", a dívida, primeiro, tem que ser paga. Logo, meus amigos, não há perdão. E, no caso paulino, não é porque não há condenação, como o Jesus de João 8 afirmara - mas porque a dívida teve de ser paga, e a teria sido paga pelo cordeiro no altar da cruz...

8. Não estou propondo aqui qualquer alteração na teologia cristã. Não sou teólogo sistemático, nem tenho interesse em reformas teológicas. O que estou dizendo é que o Cristianismo não está assentado - sob nenhuma circunstância - sobre o perdão: está assentado sobre a culpa e o castigo, a impassibilidade de um "Deus" que não pode simplesmente relevar, porque, aprendemos de Anselmo, que o Deus de misericórdia não pode ser misericordioso e, assim, ser injusto, de modo que a misericórdia divina deve ser, ao mesmo tempo, justa - e o perdão, meus amigos, é injustiça, ele argumentava, mas não a de Deus, que é justiça, porque não relevou, mas foi justo...

9. Mas em quê? Nos termos dessa racionalização teológica, "Deus" foi "justo" porque cobrou (de si mesmo) a dívida (que cabia a si mesmo - querem uns, teólogos também, que ao diabo), sem perder de vista a contabilização de nenhum centavo. Nos extratos bancários, havia lá uma dívida de dois contos de réis, e Deus tratou, diz a Teologia (essa!), de arrumar os dois contos réis que ele devia a si mesmo (ou ao diabo, insisto, querem alguns teólogos - mas, fará diferença?). Moral da história: "Deus" não podia, simplesmente, fazer tal qual "Jesus" fez, "injusta" e "irresponsavelmente" perdoar pecadores: "Deus" tinha de resgatá-los, pagando a dívida deles. "Eles" não pagam a dívida - mas a dívida não foi, de modo algum perdoada - foi paga...

10. Não teria sido mais fácil deixar de lado essa "escolástica" contábil, de banco, e levar a sério aquele dito subversivo do "messias"? "'Não te condeno' - vai e não peques mais"... Aí, sim, meus amigos, aí sim eu aceitaria falar sobre perdão no Cristianismo...

Alto Preço - Asaph Borba

OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bom, Oswaldo! Escreveu um post em minha homenagem? fico honrado.

Por favor,tire minhas dúvidas.

Você pega uma fala de Jesus e a coloca contra todas as outras em que ele mesmo diz que seria sacrificado em favor (para perdão) de muitos?

Mateus 26:28 porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados.

João 15:13 13 Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos.

Você diz que não é teólogo sistemático, por isso talvez não consiga ver a verdade bíblica toda coerente e consistente como ela é.

Descrença ou cegueira?

Acho que é questão de má vontade mesmo...

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