terça-feira, 21 de junho de 2011

(2011/378) Sobre o termo "pós-modernidade" servir de mantra "acadêmico" - a ponta de um fenômeno de massificação acrítica de conceitos líquidos


1. Elias negocia com a pobre da velha com quem se encontra - ela tem lá apenas seu punhado de farinha e sua porção de azeite. Isso dará o quê? Um pão. Comerão ela e o filho e, depois, o horizonte de eventos é a morte dela e dele, coitados. Elias, profetíssimo (é o que quer a tradição; sacerdote até a alma, diz-me, a mim, a análise desse discurso perverso), fala à velha famélica que, se primeiro ela der a ele, profetíssimo, o pão, depois disso, se ela o tiver dado primeiro, então ela terá mais o que comer, ela e seu filho, já agora não, por isso, mortos de fome...

2. Depois é Malaquias, institucionalizando a retributividade teológica: quem levar ao Templo os "dízimos" pode, depois de o ter levado, fazer "prova" do Deus do Templo: ele abrirá céus e terra, todos os celeiros, todos os úteros, todos os úberes, e a Natureza, serva da retribuição templária e hierocrática, parirá cem efas de bênçãos inimagináveis e prometidas, a peso líquido e certo, a preço combinado...

3. Depois, é Rubem a encontrar mandrágoras no campo... Espera! Os judeus mudaram essa história, regada a magia e poções afrodisíacas, e a re-escreveram no Testamento de Rubem: o menino acha não é mandágoras, não, acha é tomates cheirosos, dá-os à mãe, que, com eles, paga à outra esposa a noite com Jacó, e, então, concebe Benjamin, filho da destra e de moedas...

4. Depois é Jesus a escurraçar do Templo um assim tratado como bando de salteadores, vendilhões, comerciantes, cuja cristianíssima lição parece ser que na religiãode Deus não se deve praticar comércio, seja da fé, seja das coisas da fé.

5. Depois é esse mesmo Jesus a ser pesado em qual balança não se sabe bem, mas resulta valer 30 moedas pagas, diz-se, a Judas, depois morto, mas, primeiro, sabendo o preço e a paga.

6. Depois é Simão o mago, aquele de Atos, muito sabiamente desejando comprar, de Pedro, o poder da cura, da magia, ele, Simão, que sabe que os magos são aqueles que sabem como controlar as forças celestes, mágicas, poderosas, e Pedro sabe, bem se vê, e ele quer o mesmo...

7. Depois, ou pouco antes, não me recordo exatamente a ordem das narrativas, é Ananias e Safaria a serem acusados, via ver era o caso, vai ver, não, de recolherem a cofres outros valores não declarados, e isso, naturalmente, pelo valor que tais valores deviam ter à época, também ela, nesses termos, pós-moderna, já tão cedo...

8. Depois é Roma, endividada, parece, até o pescoço, a vender indulgências, créditos a receber junto ou a Deus ou ao Diabo, na hora em que qualquer um dos dois for cobrar a dívida, essa teologia é de dificília distinção quanto a quem tem em seu poder a nota promissõria a descontar, mas, uma coisa ficou certa, a Igreja vende certidões de quitação válidas para quaisquer dos dois banqueiros...

9. A julgar por Weber, um protestantismo e um calvinismo cioso do valor sagrado do trabalho transforma o Norte numa terra dourada, de moedas cintilantes - ainda que, é verdade, também à custa de muita rapina, não nos esqueçamos disso!

10. Aí, peço para analisarem a letra "Guerra Santa", de Gilberto Gil, e me citam, em três parágrafos, duas vezes a palavra pós-modernidade, afirmando, categoricamente, que a atual mercantilização da fé é produto dessa cantada em prosa e verso Pós-modernidade!

11. Será possível que eu seja tão desavisado? Que não tenha olhos - ou os tenha de sobra, ou até os tenha, mas doentes das coisas de ver? Por que cargas d'água se repete acriticamente, aqui e acolá, lá e adiante, aqui e ali, pós-modernidade, pós-modernidade, como mantra?

12. Será que a "academia" - ao menos a "teológica" e a próximo-humanidades -, está sofrendo de um efeito de eco acrítico de reverberações também acríticas de teses acríticas de livros mercadológicos - e "pós-modernos"? Tudo, agora, é "pós-modernidade" - mais larga do que as costas do diabo, parece que só a pós-modernidade...

13. O termo, todavia, é (ainda) objeto de intermináveis discussões - mal sabemos em que "era" realmente estamos, mas o canto da sereia, o piar dos pintos, o sibilar das serpentes, a família inteira das onomatoéias usa e abusa desse termo que já me vai dando urticária - e por essa razão: ele cheira a sintoma de papagaíte aguda. Talvez se ache que é o que os professores querem ler nos trabalhos. E talvez seja isso mesmo. Mas, aviso aos navegantes, não eu. Não mesmo.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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