quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

(2010/094) Do enredo da vida da gente


1. Eu deveria dizer: "eu estou convencido de que não há enredo na vida". Era assim que esse post deveria começar. Mas eu deixo-me tomar da presunção dos loucos, e digo-o de modo diferente, com a arrogância dos videntes: "não há enredo na vida da gente". Minto: há um, infinitivo - "morrer". Morrer, senhores, morrer, senhoras - eis o único enredo da vida...

2. Não, nem o nascer o é. Não há como pensarmos a vida sem o nascer, de modo que, quando estamos a falar sobre o enredo da vida, não posso pôr o nascer como parte da vida. Eu não estou sujeito ao nascer. Não mais. É um nascer - do qual eu não sou sujeito, mas objeto, que constitui a minha vida, que nem ato meu é, mas um outro ato, dentro do qual, em algum momento, aí sim eu "surjo". Aí surgido, resta-me o morrer... Outro me nasceu. Morrer, serei eu a fazê-lo...

3. Todavia, não há ser humano que, por forças vindas de dentro de sua própria desorientação, de seu próprio desespero, não se veja obrigado a compor, ou adotar, ele mesmo, seu enredo. Cada um de nós inventará de viver dentro de um roteiro, de modo que cada ação, cada pensamento, assumirá sentido. É a inserção da vida dentro de um roteiro que estabelece sentido - não fora o roteiro, a vida seria mmenos do que puro caos - redução biológica...

4. Não há sentido para a vida antes do roteiro humano. A vida, tal qual ela é em si mesma, é um pedaço de fenômenos naturais e biológicos que sequer têm ciência de nossos dramas, fenômeno que é irmão da ameba, primo da centopéia, vizinho do avestruz. Nesse sentido, não há qualquer diferença entre nós, seres humanos, e qualquer outra criatura do planeta, exceto aquela diferença que nós mesmos tratamos de distinguir - em nosso enredo... Que, acerca disso, mente para si, mente para nós, mente para todas as criaturas do planeta...

5. Disso se conclui que não há maiores nem menores enredos, melhores nem piores. Há enredos que alguém inventa. O enredo da vida de um velho catador de papéis não é pior do que o de Soros. O enredo da vida da prostituta da Dutra não é pior do que o de Ratzinger. O enredo da vida de Goebbels não é pior do que o de Dona Arns. Não há diferenças. Só enredos, sendo inventados.

6. Oh, dizê-lo é terrivelmente ameaçador para as instituições morais... Sim, é. E razões para não dizê-lo são, todas, também outros tantos pedaços de enredos.

7. Por que, então, escolher enredos de vida, de liberdade, de doação? Não há razões para isso - fora dos próprios enredos. Não há argumentros últimos. É a sua inserção dentro do enredo - escolhido por você - que dará a sensação de que tudo faz sentido, inclusive suas razões. Mas, no fundo, tudo não passa de uma grande tela de cinema...

8. O que acontece, então, quando nos damos conta, de que não era exatamnte esse o enredo que você gostaria de ter "dirigido"? Num segundo, a vida inteira perde o sentido. Por isso, amigos, agarremo-nos aos instintos, também, ao corpo, porque, quando os sentidos desaparecerem, todos, serão eles, corpo e instinto, que nos garantirão o gosto da carne. Onde os únicos sentidos são aqueles... os cinco.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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