terça-feira, 26 de janeiro de 2010

(2010/087) O que não perdoamos em Pat Robertson



1. O pastor evangélico estadunidense e fundamentalista (nem sempre os dois termos são sinônimos), Pat Robertson, afirmou que o terremoto do Haiti tem a ver com um pacto "histórico", história real, ele, diz, entre os haitianos e a diabo, no início do século XIX, aceitado e ratificado pessoalmente pelo demônio, cuja parte no acordo era livrá-los dos franceses - o que fez! -, e cujas palavras, proferidas na ocasião, delas ainda se lembra o reverendíssimo, tanto que as cita, e, agora, todos as conhecemos. Você, com um pouquinho de espanhol e/ou inglês, pode ler/ouvir o servo de Deus, amantíssimo, dando-nos a saber do fato, certamente revelado a ele pelo Espírito Santo, que tal privilégio têm os servos de Deus:


2. Está-se diante da união perfeita entre misericórdia e verdade, não? De um lado, o candente amor evangélico pelas almas - também dos haitianos - e, de outro, a baba komodiana da verdade condenatória, própria da alma evangélica e protestante, cristã, é verdade (se Deus não vive sem o Diabo, os evangélicos não vivemos sem o pecado e a condenação!). Conquanto seja nauseabunda, sua figura e fala é plenamente compreensível, porque, se cada cristão puser a mão na consciência, cada um é um Pat Robertson - e não em potencial, mas em pessoa, conquanto maquiado...

3. Não? Fico confuso, então... Não é a interpretação cristã de Gênesis que põe a humanidade inteira, personificada em Adão e Eva, a dar ouvidos, a negociar, a pactuar com o Diabo, personificado, agora, na serpente? Não é ali o Diabo a prometer a Adão e Eva o "conhecimento do bem e do mal", a fazê-los "como os deuses"? E eles não "toparam"? Não é a teologia cristã, toda, que quase entra em êxtase homilético ao afirmar que cada ser humano jaz sob o Diabo, é mesmo seu irmão e filho, desde a concepção, por causa do "acordo" de traição" prefigurado lá no Éden? Não é a teologia cristã, boníssima, amantíssima, cardíaca!, que ensina o pecado original, gerado teologicamente no ménage à trois entre Adão, Eva e Satanás, e reencenado na cópula humana, de modo que sêmen e óvulo, quando se unem, produzem um pequeno diabo desde sempre desgraçado?

4. Ah, sim, a misericórdia divina (n)os salva dessa condição - histórica e real (outra vez, coincidência entre nossos termos, cristãos, e os de Pat Robertson). Disso todo bom cristão fica sabendo. Mas, se você ouvir bem a fala do pastor amoroso, também ele o dirá, conclamando amor e orações sobre o povo haitiano, coitado... Pat Robertson está com o coração quebrantado pelo sofrimento do povo do Haiti, como todo bom cristão condói-se da condição geral humana - ao mesmo tempo em que ambos sabem e ensinam e pregam e anunciam que são todos culpados pelas suas próprias desgraças, porque deram ouvidos - o corpo inteiro! - para Satanás. Alguém vê diferença? Talvez seja necessário limpar os óculos...

5. Será que não nos damos conta de que não faz lá nenhuma grande diferença apontar para um povo - "fez pacto com o diabo!" - e para a humanidade toda - "o mundo jaz no maligno!"? Será que cuidamos que somos melhores do que Pat Robertson, porque nossas palavras são floridas? Qual a diferença entre Pat Robertson e o professor de "inculturação da fé", que me ensina, de um lado, Clifford Geertz e, de outro, a levar a fé - só a fé, ele diz - aos povos não alcançados, todos, sem exceção, perdidos no diabo? Não me forcem a dizê-lo!

6. Eu tenho diversas vezes dito que não vejo diferença nenhuma entre evangelicais - nome pomposo! - e fundamentalistas. É tudo a mesma coisa. A única exceção é a dissimulação. Nisso, Pat Robertson tem muito que aprender conosco, coitado... No fundo, no fundo, o problema de Pat Robertson é que ele não entende nada, nada, de marketing, e, então, diz as nossas mesmas e velhas verdades, mas de um jeito indisfarçável, que quase não dá pra comprar... É isso que não perdoamos nele.






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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