terça-feira, 26 de janeiro de 2010

(2010/086) Da "boa morte"


1. Se é que há morte boa... mas trata-se da ευθανασία (eutanásia), ou morte assistida, daí "boa", isto é, porque tem por intenção proporcionar uma morte o mais confortável possível, ou, talvez fosse melhor dizer, pôr termo a uma vida de dor e sofrimento insuperáveis. Em se pensando a eutanásia em tese - eu sou absolutamente a favor.

2. Na Inglaterra, dois julgamentos muito recentes. "Bridget Kathleen Gilderdale, de 55 anos, foi absolvida da acusação de tentativa de homicídio por ter ajudado sua filha Lynn Gilderdale a cometer suicídio com doses de morfina e outros medicamentos". Por outro ado, "três dias antes, Frances Inglis foi condenada à prisão perpétua – dessa pena ela cumprirá pelo menos nove anos efetivamente presa – por matar seu filho com injeções de heroína. Thomas Inglis havia sofrido lesão cerebral grave após cair de uma ambulância em julho de 2007". Ora, "ambas as mães foram descritas como “amorosas e zelosas”, que agiram em um ato de desespero diante do sofrimento de seus entes. Mas uma grande diferença entre as duas situações também foi observada. Lynn Gilderdale estava consciente e já havia manifestado o desejo de morrer. Thomas Inglis estava completamente inconsciente e, portanto, a decisão partiu exclusivamente de sua mãe. Mesmo assim, alguns críticos defendem que Inglis não deveria ter sido qualificada como uma homicida e forçada a passar tanto tempo presa, já que seu ato foi motivado por amor e misericórdia" (BBC Brasil).

3. Bem, cada caso sempre é um caso, mas, de qualquer forma, beira o cinismo a condenação de Frances Inglis. Talvez haja traços de crenças religiosas operando nos bastidores da decisão, sei lá. Seja como for, penso que é direito de todo ser humano pôr termo à sua própria vida. Penso ser meu direito pôr termo à minha própria vida - até porque, se eu quiser, ninguém me impede. Suicídios com aviso prévio são, na verdade, pedidos de socorro. Quando não se trata disso, quando a pessoa não quer socorro, quando ela simlesmente quer "ir embora", ela simplesmente vai. E não importa nem a religião...

4. Mas e se a pessoa vê-se impossibilitada disso...? Se se vê entrevada, sem poder fazer uso de seu direito...? A sociedade não pode condenar um gesto de misericórdia por parte de quem fornece ajuda ao suicida. Como no Uruguai (BBC Brasil), é necessário que se estabeleçam leis objetivas a respeito das condições adequadas para a eutanásia. Em lugar de serem abandonadas, sozinhas, a ajudarem seus entes queridos na sua última decisão, a sociedade deveria proporcionar meios ainda mais seguro e eficientes para a eutanásia, sem cinismo e hipocrisia. Um australiano, Christian Rossiter, tetraplégico, teve de ganhar no tribunal o direito de... recusar alimento e medicação, a fim de... morrer (BBC Brasil). E ganhou! Hipocrisia! Não era menos doloroso, menos cruel, menos sádico, menos hipócrita!, que ele ganhasse o direito - que tem - de morrer assistidamente? Já o inglês Guy Button viu-se obrigado alevar e entregar uma arma ao pai, Ian Button, de 63 anos, sofria de uma grave doença pulmonar, com a qual se matou no hospital (BBC Brasil).

5. A questão do estado de inconsciência do doente é um complicador, mas penso que leis, antecedidas por consulta pública e plebiscito, poderiam - deveriam - estabelecer regras também para esses casos. Ora, é inadmissível que estabeleçamos imposiçoes religiosas para a relação de um ser humano com um corpo vegetal sobre uma cama. Há que haver um mínimo de bom senso.

6. Sou a favor da eutanásia. No meu caso, eu o faria. E, se algum dia eu me encontrar em estado de inconsciência, está aqui, autorizado, que Bel me ajude a morrer. Será, para nós dois, uma coisa boa...


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Em tempo: Quase 75% dos britânicos apoiam suicídio assistido, diz pesquisa (BBC Brasil - 31/01/2010)


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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