domingo, 27 de setembro de 2009

(2009/499) Dilma e Serra versus Bultmann, Tillich e Bonfoeffer

"Os alemães perguntam a seus pais onde estavam no momento do nazismo"

1. Alemanha. Década de 30. Hitler assume o poder. A Alemanha entra em seu pior momento, o pior dos piores momentos de sua história. Três teólogos da Alemanha - Bultmann, Tillih e Bonhoeffer. O olho da história paira sobre suas cabeças...

2. Bultmann decide ficar. O resultado de sua permanência é a desmitologização do Novo Testamento, mas a manutenção da pregação cristã. A desmitologização é, a rigor, uma desjudaização do Novo Testamento, logo, da "fé", da "pregação", da "Igreja". Talvez uma conta de chegada: tiramos a aparência de judaísmo disso e, em troca, continuamos com a romaria... É uma observação severa, eu sei, mas será mera coincidência um querigma ectoplasmático, existencialista, sacramental, homilético, a-histórico, num contexto em que o corpo judeu é transformado em objeto abjeto de perseguição e ódio, e tudo quanto o toca, ao corpo judeu, subjaz à maldição semita? Fazer-se judeu - para judeus - e grego - para gregos... O problema é quando você tem que escolher se é judeu... ou grego...

3. Tillich decide partir. O enfrentamento, sugerem-lhe, é arriscado - haverá, de todo modo, um preço: seja no câmbio de Bultmann, seja no câmbio de Bonhoeffer. Tillich não quer pagar nem uma nem outra moeda. Direito seu. Ele parte. Vai para os Estados Unidos - transforma-se naquele que é, de longe, o teólogo mais importante das Américas, rivalizado apenas pelos teólogos da libertação, latino-americanos, que, no conjunto, mas apenas no conjunto, rivalizam com o colosso que foi Tillich.

4. Bonhoeffer é o único que, explode a catástrofe, está fora. Está no lugar para onde Tillich vai. E, contudo, decide voltar para a Alemanha. Louco? Certamente. Volta. Depara-se com uma Igreja que - a seus olhos - submete-se aos valores e às políticas hitleristas. Louco e politicamente incorreto como os "profetas", sai pondo o dedo em risto na frente de toda autoridade - inclusive da Igreja. Angaria ódios inconfessáveis. Racha com a Igreja. Funda outra - a Confessante. Vão odiá-lo... É preso. Alguém o terá ajudado? Alguém suficientemente forte? Seja como for - morrerá executado pelo regime. Mártir. Voltou. Sabia que podia dar no que deu. Deu.

5. Não se trata de julgar/condenar ninguém. Trata-se, sim, de perceber como cada um deles construiu sua relação com seus valores. Nenhum deles seria "Chefe de Governo" - eram, "apenas", homens de igreja, teólogos. Cada um sabe de si, e, fazendo-se a si mesmo, constitui-se modelo para terceiros.

6. Eis, que, agora, leio um interessante artigo do Emir Sader sobre a permanência de Dilma Rousseff e o "exílio" de José Serra - no mesmo episódio. Enquanto homem e mulher, são como Bultmann, Tilich e Bonhoeffer - suas escolhas competem a eles mesmos. Mas - eis a questão - quando postulam a Presidência da República, parece que seus históricos "contam". Trata-se de escolher alguém que permaneceu e lutou e alguém que "deu um tempo". Entre algué que sabia que podia dar no que deu, e deu, e aguém que sabia que podia dar no que deu, e decidiu, direito seu, ir embora. Um dos dois pode ser o próximo a ocupar a cadeira do Planalto. Quem eu vou escolher. Bonhoeffer, claro.

7. Eis o artigo:

Em que mãos você gostaria que estivesse o Brasil? Qual o verdadeiro diploma que cada um tem e que conta para construir um país justo, soberano e humanista?

Nas horas mais difíceis se revela a personalidade – as forças e as fraquezas – de cada um. Os franceses puderam fazer esse teste quando foram invadidos e tinham que se decidir entre compactuar com o governo capitulacionsista de Vichy ou participar da resistência. Os italianos podiam optar entre participar da resistência clandestina ou aderir ao regime fascista. Os alemães perguntam a seus pais onde estavam no momento do nazismo.

No Brasil também, na hora negra da ditadura militar, formos todos testados na nossa firmeza na decisão de lutar contra a ditadura, entre aderir ao regime surgido do golpe, tentar ficar alheios a todas as brutalidades que sucediam ou somar-se à resistência. Poderíamos olhar para trás, para saber onde estava cada um naquele período.

Dois personagens que aparecem como pré-candidatos à presidência são casos opostos de comportamento e daí podemos julgar seu caráter, exatamente no momento mais difícil, quando não era possível esconder seus comportamentos, sua personalidade, sua coragem para enfrentar dificuldades, seus valores.

José Serra era dirigente estudantil, tinha sido presidente do Grêmio Politécnico, da Escola de Engenharia da USP. Já com aquela ânsia de poder que seguiu caracterizando-o por toda a vida, brigou duramente até conseguir ser presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo e, com os mesmos meios de não se deter diante de nada, chegou a ser presidente da UNE.

Com esse cargo participou do comício da Central do Brasil, em março de 1964, poucas semanas antes do golpe. Nesse evento, foi mais radical do que todos os que discursaram, não apenas de Jango, mas de Miguel Arraes e mesmo de Leonel Brizola.

No dia do golpe, poucos dias depois, da mesma forma que as outras organizações de massa, a UNE, por seu presidente, decretou greve geral. Esperava-se que iria comandar o processo de resistência estudantil, a partir do cargo pelo qual havia lutado tanto e para o qual havia sido eleito.

No entanto, Serra saiu do Brasil no primeiro grupo de pessoas que abandonou o país. Deixou abandonada a UNE, abandonou a luta de resistência dos estudantes contra a ditadura, abandonou o cargo para o qual tinha sido eleito pelos estudantes. Essa a atitude de Serra diante da primeira adversidade.

Por isso sua biografia só menciona que foi presidente da UNE, mas nunca diz que não concluiu o mandato, abandonou a UNE e os estudantes brasileiros. Nunca se pronunciou sobre esse episódio vergonhoso da sua vida.

Os estudantes brasileiros foram em frente, rapidamente se reorganizaram e protagonizaram, a parir de 1965, o primeiro grande ciclo de mobilizações populares de resistência à ditadura, enquanto Serra vivia no exílio, longe da luta dos estudantes. Ficou claro o caráter de Serra, que só voltou ao Brasil quando já havia condições de trabalho legal da oposição, sem maiores riscos.

Outra personalidade que aparece como pré-candidata à presidência também teve que reagir diante das circunstâncias do golpe militar e da ditadura. Dilma Rousseff, estudante mineira, fez outra escolha. Optou por ficar no Brasil e participar ativamente da resistência à ditadura, primeiro das mobilizações estudantis, depois das organizações clandestinas, que buscavam criar as condições para uma luta armada contra a ditadura militar.

No episódio da comissão do Senado em que ela foi questionada por ter assumido que tinha dito mentido durante a ditadura – por um senador da direita, aliado dos tucanos de Serra -, Dilma mostrou todo o seu caráter, o mesmo com que tinha atuado na clandestinidade e resistido duramente às torturas. Disse que mentiu diante das torturas que sofreu, disse que o senador não tem idéia como é duro sofrer as torturas e mentir para salvar aos companheiros. Que se orgulha de ter se comportado dessa maneira, que na ditadura não há verdade, só mentira. Que ela o senador da base tucano-demo estavam em lados opostos: ela do lado da resistência democrática, ele do lado da ditadura, do regime de terror, que seqüestrada, desaparecia, fuzilava, torturava.

Dilma lutou na clandestinidade contra a ditadura, nessa luta foi presa, torturada , condenada, ficando detida quatro anos. Saiu para retomar a luta nas novas condições que a resistência à ditadura colocava. Entrou para o PDT de Brizola, mais tarde ingressou no PT, onde participou como secretária do governo do Rio Grande do Sul. Posteriormente foi Ministra de Minas e Energia e Ministra-chefe da Casa Civil.

Essa trajetória, em particular aquela nas condições mais difíceis, é o grande diploma de Dilma: a dignidade, a firmeza, a coerência, para realizar os ideais que assume como seus. Quem pode revelar sua trajetória com transparência e quem tem que esconder momentos fundamentais da sua vida, porque vividos nas circunstâncias mais difíceis?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO


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