sexta-feira, 21 de junho de 2013

(2013/618) Buraco negro, poeira, rosquinha, vento e toro - a ciência galopando o espaço...


O que me dá direito a pensar que essa história de quem tem "um mundo do outro lado" é pura ficção incientífica...

Uma surpresa empoeirada em torno de um buraco negro gigante


Nos últimos vinte anos, os astrônomos descobriram que quase todas as galáxias têm um enorme buraco negro no seu centro. Alguns destes buracos negros estão em fase de crescimento sugando matéria do meio circundante e dando origem neste processo aos objetos mais energéticos do Universo: os núcleos ativos de galáxias (NAGs). As regiões centrais destas brilhantes centrais de energia encontram-se rodeadas por "rosquinhas" de poeira cósmica [1] arrancada do espaço circundante, um pouco como a água dá origem a um redemoinho em torno do ralo de uma lava-louças. Pensa-se que a maior parte da intensa radiação infravermelha emitida pelos NAGs tem origem nestes toros.

No entanto, novas observações de uma galáxia ativa próxima chamada NGC 3783, obtidas por uma equipe internacional de astrônomos, com o auxílio do Interferômetro do Very Large Telescope (VLTI) no Observatório do Paranal do ESO, no Chile [2], surpreenderam a equipe. Embora a poeira quente - com uma temperatura de cerca de 700 a 1000 graus Celsius - apresente, de fato, a forma de um toro como o esperado, encontraram-se igualmente enormes quantidades de poeira mais fria acima e abaixo do toro principal [3].

Como explica Sebastian Hönig (University of California Santa Barbara, USA e Christian-Albrechts-Universität zu Kiel, Alemanha), autor principal do artigo que descreve estes resultados, “Esta é a primeira vez que conseguimos combinar observações detalhadas no infravermelho médio da poeira fria, ie. à temperatura ambiente, em torno de um NAG com observações igualmente detalhadas da poeira muito quente. Estas observações representam igualmente a maior coleção de dados de um NAG obtidos no infravermelho pelo método de interferometria, publicados até hoje”.

A poeira recém descoberta forma um vento frio que sopra para longe do buraco negro. Este vento deve desempenhar um papel importante na relação complexa entre o buraco negro e o meio circundante. O buraco negro sacia o seu apetite devorador com material circundante, mas a intensa radiação que produz nesse processo parece estar ao mesmo tempo a afastar o material. Não é ainda claro como é que estes dois processos interagem, permitindo ao buraco negro crescer e evoluir no coração das galáxias, mas a presença de um vento de poeira acrescenta uma nova peça a este cenário.

De modo a investigar as regiões centrais de NGC 3783, os astrônomos necessitaram de combinar o poder dos Telescópios Principais do Very Large Telescope do ESO. Utilizando estes telescópios em uníssono formamos um interferômetro que consegue obter uma resolução equivalente à de um telescópio de 130 metros de diâmetro.

Outro membro da equipe, Gerd Weigelt (Max-Planck-Institut für Radioastronomie, Bonn, Alemanha), explica, ”Ao combinarmos a excelente sensibilidade dos grandes espelhos do VLT pelo método da interferometria, conseguimos coletar radiação suficiente para observar objetos tênues, o que nos permite estudar uma região tão pequena quanto a distância do Sol à estrela mais próxima, e isto numa galáxia a dezenas de milhões de anos-luz de distância. Nenhum outro sistema óptico ou infravermelho atualmente em existência seria capaz deste feito”.

Estas novas observações podem levar a alterações na compreensão dos NAGs. Temos agora uma evidência direta de que a poeira está sendo empurrada pela radiação intensa.  Os modelos que prevêem como é que a poeira se distribui e como é que os buracos negros crescem e evoluem têm que, a partir de agora, levar em linha de conta este efeito recém descoberto.

Hönig conclui, “Tenho uma grande expectativa relativamente ao MATISSE, que permitirá combinar os quatro Telescópios Principais do VLT ao mesmo tempo e observar simultaneamente no infravermelho próximo e médio, o que nos dará dados muito mais detalhados”. O MATISSE, um instrumento de segunda geração para o VLTI, está atualmente sendo construído.


Notas

[1] A poeira cósmica é composta por grãos de silicatos e grafite, minerais que são igualmente abundantes na Terra. A fuligem é muito semelhante à grafite da poeira cósmica, embora o tamanho dos grãos na fuligem seja dez ou mais vezes maior que o tamanho típico dos grãos de grafite cósmico.

[2] O VLTI é formado pela combinação dos quatro Telescópios Principais do VLT, de 8,2 metros, ou pela combinação dos quatro Telescópios Auxiliares móveis, de 1,8 metros. Utiliza-se uma técnica chamada interferometria, onde instrumentação sofisticada combina numa única observação a luz coletada pelos vários telescópios. Embora não se produzam imagens propriamente ditas, esta técnica aumenta drasticamente o nível de detalhes que se podem medir nos dados, comparável ao que um telescópio espacial com um diâmetro de 100 metros permitiria. 

[3] A poeira mais quente foi mapeada com o auxílio do instrumento AMBER do VLTI, nos comprimentos de onda do infravermelho e as novas observações aqui descritas utilizaram o instrumento MIDI nos comprimentos de onda do infravermelho entre os 8 e os 13 mícrons.


Mais Informações
Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Dust in the Polar Region as a Major Contributor to the Infrared Emission of Active Galactic Nuclei”, de S. Hönig et al.,, que será publicado na revista especializada Astrophysical Journal em 20 de junho de 2013.

A equipe é composta por S. F. Hönig (University of California in Santa Barbara, EUA [UCSB]; Christian-Albrechts-Universität zu Kiel, Alemanha), M. Kishimoto (Max-Planck-Institut für Radioastronomie, Bonn, Alemanha [MPIfR]), K. R. W. Tristram (MPIfR), M. A. Prieto (Instituto de Astrofísica de Canarias, Tenerife, Espanha), P. Gandhi (Instituto de Ciências do Espaço e Astronáutica, Kanawaga, Japão; University of Durham, United Kingdom), D. Asmus (MPIfR), R. Antonucci (UCSB), L. Burtscher (Max-Planck-Institut für extraterrestrische Physik, Garching, Alemanha), W. J. Duschl (Institut für Theoretische Physik und Astrophysik, Christian-Albrechts-Universität zu Kiel, Alemanha) e G. Weigelt (MPIfR).

O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a pesquisa em astronomia e é o observatório astronômico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronômicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrônomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação nas pesquisas astronômicas. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronômico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projeto astronômico que existe atualmente. O ESO está planejando o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 39 metros que observará na banda do visível e infravermelho próximo. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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