domingo, 3 de abril de 2011

(2011/219) Se os mapas fossem assim, não existiriam os mísseis - da plena capacidade humana de mapear seu ecossistema


1. Ainda estou aqui pensando se vou escrever sobre minha indignação por ter comprado por R$ 110,00 um livro, supostamente de Edgar Morin e Le Moigne, do Instituto Piaget, e, quando ele me chega em casa, são apenas dois artigos, um de cada, e um monte de outros artigos, de terceiros, resultado de um simpósio. Antes de comprar, investiguei - acho até que tem "rolo" sobre o uso do livro em diversas publicações nacionais -, e, em nenhum lugar, nem no site do Instituto, há menção de que se trata de uma obra de organização - nem na capa! Fiquei fulo da vida. E o jeito é tentar salvar a pátria, vendo se prestam os artigos.

2. Um deles já me começa tirando do sério. Trata-se de um artigo de Évelyne Andreewsky, "Mas o Mapa, por vezes, transforma o Território". O "por vezes" salva a pátria. Você percebe que se trata de uma tentativa de sair do lugar comum do mapa como fotografia, e, para tanto, recorre-se ao "por vezes". Isto é, às vezes, sim, às vezes não, o mapa, por vezes, transforma o território.

3. Mas eis o primeiro parágrafo: "o mapa não é o território e, como é sabido, a palavra 'cão' não ladra! Mas, à semelhança dos mapas, esta palavra - como qualquer outra palavra ou outro texto - representando 'a' realidade, guia cada um de nós na construção do seu próprio ponto de vista sobre essa realidade" (Évelyne Andreewsky, "Mas o mapa, por vezes, transforma o território, em: Edgar Morin e Jean-Louis Le Moigne, Inteligência da Complexidade - epistemologia e pragmática, Lisboa: Instituto Piaget, 2009, p. 206).

4. Alto lá! Como assim "(à semelhança d[e]) os mapas (...) guia[m] cada um de nós na construção do seu próprio ponto de vista"? Como assim? Não. Não faz sentido. Um mapa - e, com mapa, refiro-me ao que normalmente e tecnicamente chamamos de mapa, traduz uma indicação "objetiva" da topografia, ainda que, naturalmente, em escala e em representação não-tridimensional. Todavia, quando tenho um mapa na mão, espero - com todas a minha fé - que onde esteja escrito Rua A esteja a Rua A, ou, onde consta haver uma cachoeira, conste uma cachoeira.

5. "Nosso próprio ponto de vista" pode valer para a estética, para a literatura, para a política. Com efeito, no terceiro parágrafo, a autora traz à tona a figura de quem?, dele - do advogado, a construir "mapas" sobre seu "caso". Lamentável analogia! Se algum dia, em tese, pensou-se que um advogado mapearia a realidade, no dia em que o primeiro advogado entrou no caso, transformou-se em alquimista - fazendo com que a realidade se configure de acordo com uma tese: a de defesa ou a de acusação. Não é por outra razão que lá está o juiz - a quem cabe, por delegação da sociedade, decidir quem contou a "história" mas plausível... não necessariamente, contudo, a "real".

6. Mas com mapas? Com mapas!? Pelo amor de Deus. Menos! Quando o encouraçado, distante há trezentas milhas da costa da Líbia, dispara um míssil, e esse míssil acerta em cheio um bunker qualquer, não é a "nossa própria perspectiva" que está ali - é o bunker, e se quem fez o mapa, ou quem calibra o míssil, errarem - ah, essa palavra, que se quer riscar da cartografia filosófica humana! -, bum!, o míssil vai explodir nos quintos dos infernos, mas, nunca, no "alvo".

7. Menos, meus amigos, menos: as odes poéticas e políticas à subjetividade não podem nos tornar esquizofrênicos. O mapa mental que tenho na cabeça, e que me diz, antecipadamente, onde está o vaso sanitário, tem a mesma configuração dos mapas do Google Maps, dos mapas escolares, do Google Earth, dos GPS: e errar, e acertar, por desgraça, a tampa do vaso, é como querer descobrir onde fica a igreja e entrar num bordel - a tampa não é o lugar (certo) para urinar, nem a minha impressão de entrar no bordel faz das meninas coristas de altar...


8. É preciso arranjar outra forma de perdermos o vício positivista. Jogar o cérebro fora não vai resolver a questão.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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