quarta-feira, 1 de abril de 2020

(2020/045) Estética, política e heurística - o óbvio desprezado


As discussões sobre leitura e interpretação estão totalmente viciadas, para não dizer equivocadas. À direita e à esquerda, a torto e a direito, lançam-se teses sobre leitura, e, no conjunto, considero-as, todas, deficientes. E a razão é porque elas nunca - pelo menos eu nunca identifiquei a questão em todos os textos que li - circunscrevem a tese ao jogo de leitura ao qual a tese seria pertinente. Para os propugnadores de teses, há um jogo de leitura e pronto. Para eles, ler é uma coisa só... E não é. Ler são três coisas diferentes.

Como praticamente ninguém discute ou leva a sério a questão fundamental da pragmática, os discursos sobre teorias de leitura encontram-se viciados. Se você leva a sério a pragmática, sabe que, quando estamos fazendo qualquer coisa, estamos atualizando uma atitude ou uma ação ou estética, ou política, ou heurística. Cada jogo pragmático desse estabelece um universo com regras, objetivos e resultados condicionados e próprios.

Ler esteticamente é uma coisa, que nada tem a ver com ler politicamente, que é outra coisa, que nada tem a ver com ler heuristicamente, que é ainda outra coisa. Não há regras a priori de leitura. As regras devem-se ao jogo. Se o jogo é estético, as regras para leitura são umas. Se o jogo é político, as regras de leitura, então, são outras. Se o jogo é heurístico, as regras de leitura são ainda outras. 

Mas você não lerá livros nem ouvirá teses nem participará de aulas em que o jogo em que a leitura se dá é anteriormente a qualquer outra coisa situado. As regras de leitura são apresentadas como se as regras fossem absolutas e válidas para qualquer tipo de leitura.

Depois que você toma consciência disso, isto é, tanto do fato de que há três jogos de leitura diferentes, que impõem diferentes regras para as atualizações da prática de leitura circunscritas a cada um deles, bem como do fato de que as teses em circulação desconsideram solenemente essa questão fundamental, é absolutamente improdutivo discutir sobre leitura... É mesmo pura perda de tempo.

A única forma lúcida de discutir leitura é, antes de tudo, circunscrever o jogo no qual a leitura se dará - se estética, se política, se heurística. Como esses jogos estabelecem eles mesmos e só eles a regra da leitura, a partir daí faz sentido discutir. Antes, é tolice e perda de tempo.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Tetê Caldas disse...


Texto enxuto e esclarecedor "A única forma lúcida de discutir leitura é, antes de tudo, circunscrever o jogo no qual a leitura se dará - se estética, se política, se heurística. Como esses jogos estabelecem eles mesmos e só eles a regra da leitura, a partir daí faz sentido discutir."





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