quarta-feira, 31 de outubro de 2012

(2012/722) De "apalpadelas" atrás do sagrado e da presunção cristã...


1. Não me recordo se foi em 90, 91 ou 92, mas a prova era de Gilton Medeiros, pastor batista e professor no campus avançado de Nova Iguaçu, do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Uma das perguntas era sobre o que eu achava da espiritualidade primitiva...

2. Recordo-me que olhei para a prova, olhei para Gilton, pensei a resposta enquadradinha que a formação teológica confessional pedia/pede, mandei tudo às favas e respondi com o fígado - bem, se é para analisar pela coerência, acho que faz mais sentido, é mais natural, imaginar que há alma nas coisas que se movem, na árvore, no Rio, no ar, nas nuvens, no Sol, na Lua, nas estrelas, nos bichos, do que conceber que um homem morto numa cruz de castigo romana seja a solução para os problemas da humanidade. Não se trata de saber ou dizer qual das duas espiritualidades seja a correta, mas apenas de dizer o que se pode dizer delas, olhando para as duas narrativas...

3. Gilton me deu 10. Não tenho a mínima ideia de por que me deu 10. Mas deu. 

4. Outem, propuseram-me uma tese, e, de certo modo, voltei àquela prova.

5. Animismo, fetichismo, manaísmo, totemismo, politeísmo, monoteísmo e henoteísmo - nessa ordem, do primeiro ao sétimo passo - teriam sido as apalpadelas com que o homem procurou pelo sagrado. Todas essas apalpadelas desdobraram-se em religiões.

6. O Cristianismo, todavia, não é nem apalpadela nem religião: é a verdade da fé.

7. Eu, honestamente, não sei em que é mais difícil acreditar: se na declaração de que o Cristianismo não é religião ou na declaração de que o Cristianismo é a verdade da fé...

8. Não sei que nota Gilton daria a essas duas declarações, se registradas em sua prova. Mas elas vão na direção contrária à minha resposta, dada vinte anos atrás.

9. Não acho que seja uma boa prática, nem metodologia, tratar os sete sistemas religiosos citados como apalpadelas, muito menos como passos progressivos na história da relação entre o ser humano e o sagrado. Duvido mesmo que monoteísmo tenha sido anterior a henoteísmo... 

10. Mas, sobretudo, não reconhecer que o cristianismo seja religião no duro me parece um diversionismo. Há templo (lugar sagrado), rito, mito, sacerdotes (disfarçado, às vezes, mas tem), livro sagrado, festas sagradas - tudo o que qualquer religião tem. 

11. Por que não seria?

12. Por que, já que somos obrigados, eticamente, a considerar as demais religiões como legítimos fenômeno antropológico-culturais, tratar de rapidamente separar-nos "disso", classificando-nos, de novo, como gente diferente?, a fé cristã, como algo diferente?

13. Não, não posso caminhar por essa tese.

14. Para mim, os cristianismos todos - católico, ortodoxo, protestante(s), evangélico(s), coptas, o que seja, são, todos, religião como qualquer outra, em todos os sentidos que você imaginar. As diferenças ficam por conta de cultura, geografia, instrumental, cosmovisão, ética. Mas, enquanto fenômeno, nenhuma diferença.

15. Além disso, não se pode tomar "monoteísmo" ou "henoteísmo" como superiores a qualquer outra expressão religiosa - o fetichismo, por exemplo. Para muito crente e católico, aliás, a Bíblia é fetiche - abre-se a Bíblia no Sl 91!

16. E assim vamos. Você acha que as cisas mudam, mas mudam só se você, em lugar de ouvir, "compartilha". Na prática, as coisas não mudam muto, não.

17. A pergunta que me ficou ecoando na cabeça, depois de ouvir a tese, foi: quando Bonhoeffer disse que escreveria alguma coisa sobre "um cristianismo não-religioso para um homem em estado adulto", será que ele ia escrever "isso"?, na prática, estalar os dedos, vibrar a varinha mágica, jogar o pó de pirlimpimpim sobre a realidade, declarar o cristianismo, do jeito que é, com batismo, eucaristia, homilética, rito, mito e sacramento, símbolo, ordenança e liturgia - não-religião?

18. Teria sido a aplicação mais triste daquele antigo ditado latino que, traduzido, diria que os montes entraram em trabalho de parto - e pariram um rato...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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