quinta-feira, 30 de junho de 2011

(2011/408) Do sentido - isto é - da falta de sentido da vida: onde a estrada se bifurca, e as consciência se separam



1. Durante muito tempo, muito, muito tempo, a vida teve sentido. Eventualmente, pessoas havia que olhavam para tudo aquilo e tomavam consciência de que o sentido que se dizia ter a vida era, afinal, uma impostação política - os discursos sobre "sentido" da vida ou são estéticos ou são políticos. Na maioria das vezes, sacerdotes, hierofantes, profetas, sábios, videntes, "homens do deus", vates, reis sagrados, santos, religiosos de modo geral, algumas vezes travestidos em filósofos, eram eles os reveladores (políticos!) do sentido da vida. E a grande massa humana - concretamente, as vilas, as cidades, a "terra" (no sentido bíblico de "país criado") sossegava, segura no sentido dado , líquido e certo.

2. Por trás desse sentido, de um lado, um véu retórico e mágico, criado pela ilusão religiosa, pelo mito, pelo desejo de transcender a realidade prosaica de trabalho e suor, de vencer o tic-tac da morte. De outro, já, desde então, desde sempre, a realidade física, da matéria, de onde saímos, a realidade viva, da natureza, nossa "mãe", por assim dizer. Lá, na matéria e na natureza, lá não havia alguma coisa a que se pudesse olhar, objetivamente, apontar, legitimamente e dizer, conscientemente: eis o sentido da vida. Não, a coisa toda estava - e está - na cabeça humana: eventualmente, um esquenta, e milhões requentam.

3. De um modo que parecerá a Hegel e a Marx o "curso inexorável" da História, os habitantes humanos do Ocidente foram ganhando, nos últimos 500 anos, cada vez mais "consciência" de sua condição animal, cultural, histórica. Mais recentemente, tomaram consciência ainda mais direta de sua condição hermenêutica, de criaturas cosmogônicas, de gente que vive a dar e pôr sentido em tudo - naquilo onde não há sentido, aí mora a morte... E o mundo foi povoado de vida, vida feérica - do grão de pó aos colossos planetários, lá puseram, os homens, sentido, e, agora, de lá, de tudo aquilo, nós os tiramos, e o pó e o colosso ficaram como sempre foram - nus em pelo, despidos de semântica e sintaxe...

4. Para muitos, filósofos, sobretudo, mas, no fundo, "teólogos", e, também, teólogos de fato, a "descoberta" é dura demais. Talvez, além da suportabilidade dos traumas históricos. Descobrir que a vida não tem sentido, que os homens encontram-se perdidos numa contingência natural e biológica, social e política aleatória e exteriormente não-semântica causa profundos dramas de consciência, um sentimento de perda, de negação, coisas terríveis na alma...

5. Todavia, entendam-me o que direi: isso também é parte do modo humano de dar e tirar sentido. Essa experiência moderna - aliás, esse horror ao moderno, o diabo dos trágicos (substituam-se Deus e o diabo, respectivamente, em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, pelo Trágico e o moderno, e, voilà, eis um Saramago transfigurado!) consiste também isso num fenômeno de consciência - não está lá como coisa nova, como acontecimento. Está lá como eternidade, digamos assim: dado bruto - nunca houve sentido... Não se perdeu coisa alguma...

6. É tão-somente um enraizamento - inconsciente? - do "jogo" filosófico antigo, pré-moderno, a causa do mal-estar. Não, não é o "vazio" em si, a falta de sentido constitutiva do Universo. Isso, propriamente, não nos afeta - o que nos afeta é termos estado por milênios num mundo de sentido, que nos é tirado de repente (só porque lemos livros do século XVIII e XIX!). Não é a novidade a causa da "dor": é a "saudade" do velho mundo, das quimeras, dos sonhos, dos anjos e dos deuses. É a fé, meus amigos, a fé, a causa desgraçada dessa dor - crer que nos tiraram algo! Só aos homens de fé é dada essa algia...

7. Ora, que dificuldade há olhar em lá para fora e encontrar um nada (um Nada?)? A meu ver, nenhum. Se entendemos - de fato - que somos seres físico-naturais a que aprouve ao Acaso [a História!] (ou a Deus - decidam-se por si mesmos) fazer aí emergir essa coisa chamada consciência, se compreendemos que somos nós os criadores do sentido, então fica claro como a luz do dia que não há tragédia, que não há vazio, que é assim que as coisas são, e que o sentido será sempre nós a darmos ao Mundo, à Vida, aos deuses e aos diabos... O "vazio" é a impressão que fica depois de deixarmos tirar nossos deuses e diabos - estavam lá, não estão mais. Mas, ai, quem diria?, nunca estiveram lá...

8. Ora, a única descoberta verdadeira, meus amigos, foi essa: os homens são seres de dar sentido, de criar sentido, de viver em cabanas noológicas, de morar em terras quiméricas, fora da Natureza, mas, sempre, ainda, dentro dela, sempre, ainda, a dever-lhe satisfações. Em lugar de prendermos nossas vistas numa - a meu ver - falsa impressão de "tragédia" (como se algo se houvesse perdido!), tenhamos a consciência mais atenta ao fato de que o que fazíamos desde a noite dos tempos, criar sentidos para tudo, é o que fazemos ainda hoje, quer seja, por exemplo, sofrendo de prazer por conta de uma revelação do trágico, quando, também isso, senhores, é doação gratuita de sentido ao que sentido não tem.

9. Bem-vindos ao mundo humano, senhores!, à Ilha da Fantasia! Não há nada lá fora a que apontar como sentido "em si". Nada. Nós criamos os sentidos em nossa cabeça e, com essa tarrafa incontornável, inexorável, engolfamos o mundo em que temos de viver. E viver, senhores, não é outra coisa do que isso. Nunca foi, não é nem jamais será outra coisa que não inventar sentido para viver. O que me faz pensar por que tão grande foi o choque de uma certa filosofia - não será justamente aquela (no fundo) "religiosa"? - ao deparar-se com Adão sem parras?





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Fernando de Oliveira disse...

Qual o sentido da vida?

Aqui um texto de Harol Reimer para reflexão:

"Em estreita ligação com amal vem o termo yitron, traduzido aqui por ‘proveito’ e que literalmente significa ‘aquilo que sobra’, o ‘resto’ ou o ‘lucro’. O termo pode se referir ao âmbito das transações comerciais, indicando, assim, o lucro deste tipo de atividade para quem a realiza. Em Coélet, porém, este termo da tradição comercial é utilizado para fazer a pergunta filosófica fundamental: “o que é que realmente resta ao ser humano de toda sua trabalheira debaixo do sol?”. Nesse sentido poderia ser entendido de forma mais ampla e não somente restrito ao âmbito das relações econômicas. Coélet pergunta sobre o verdadeiro proveito de uma vida com muito ‘ralação’ debaixo daquele sistema de trabalho escravizante. A pergunta pelo ‘proveito’ é, no fundo, uma pergunta pela possibilidade de sentido e qualidade de vida". (Reimer, Haroldo (org.). Eclesiastes. A sabedoria de viver e conviver. São Leopoldo: Cebi, 2006. p. 13-15).

Parafraseando Reimer, ao definir os termos em hebraico, que se encontram no livro do Eclesiastes, com a "pergunta pela possibilidade e qualidade de vida.

Acredito que a ideia de sentido da vida, está na pergunta: Vale a pena viver? Ainda que a vida não tenha nenhum sentido.Contudo, a realidade da nossa existêcia, está na própria vida. De modo que, lembrando, Nietzsche, devemos assumir a vida como valor absoluto (Ecl 9. 7-12).

O sentido da vida se constitui pelo rigoroso exame de, si mesmo. A fim de compreender que celebrar a vida com Deus e com próximo, são os bens mais estimáveis de nossa existência.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio