quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

(2009/614) Desapego

1. Não sei se o nome é esse - desapego. Não trabalho, aqui, no nível da palavra, que, para mim, apenas substitui a coisa representada. Falo da coisa a que a palavra "desapego", se for essa, se refere: trata-se da atitude de, a qualquer momento, poder mandar o que quer que seja às quintas do inferno, dar de ombros, dar meia-volta, e seguir em outra direção. Não me apego. Por isso, sou muito pouco, se mesmo isso, a "políticas".

2. Por que nos submetemos? Por que fazemos o "jogo"? Por que deixamo-nos olhar pelos olhos contábeis dos joguinhos políticos? Não é, arrisco, porque nos agarramos a certas coisas e tememos perdê-las? É um cargo aqui, é uma revista ali, é uma indicação acolá, é uma vaga naquele curso, é um salário mais adiante... Há sempre alguma coisa a que estamos aferrados, grudados, presos, de modo que nos deixamos manipular, fazer de bobos. Às vezes, brincam com a gente, não nos levam a sério, porque assume-se que estamos tão agarrados a interesses de praxe, que vamos aceitar as regrinhas sórdidas, aquelas comesinhas perversidades das almas pequenas...

3. Bem, experimente-se... Quem o tentar, descobrirá que há muito pouca coisa pelo que eu me submeteria. De tudo que me cerca, uma ou duas, francamente, talvez três, me fariam engolir todos os sapos do mundo. As demais, abriria mão delas sem prestanejar, para manter um pouco de minha dignidade.

4. Soberba? Não, nem pense nisso. Trata-se da lucidez de perceber que a hipocrisia das relações acadêmicas e religiosas constrói-se sobre os sentimentos e atitudes de as pessoas agarrarem-se a seus desejos de tal modo que negociam a vida e os valores para a manutenção dessa miséria.

5. Sou um homem de sorte. (Quase) tudo de que realmente preciso mora comigo, em minha casa. Bel, os meninos, que, contudo, logo baterão asas. Ficaremos Bel e eu, juntos. Tudo o mais é dispensável. Tudo o mais. E, de qualquer modo, comer pão ou caviar dá na mesma, se o que você vê não é a pompa e a circunstância, mas o valor nutritivo do alimento.

6. No fundo, eu seria capaz de abadonar tudo, até a carreira, e começar tudo de novo. Isso só significa uma coisa - desapego ao que está fora de mim - e apego ao meu interior. Há certas coisas, meus amigos, que não valem a pena. Não mesmo.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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