quinta-feira, 26 de novembro de 2009

(2009/612) Se ano que vem for ano que vem


1. Se 2010 for 2010, talvez alguém - mas quem? - se lembre de recorrer a esse post, e a argumentar que as forças das circunstâncias controlaram minha prédica. Eventualmente... Deixemos que 2010 diga a que virá.

2. Enquanto isso, deixem-me, por razões que 2010 deixará óbvias, dizer quanto penso da relação "pastoral" e/versus "academia". Há, notoriamente, um mal estar entre "pastoral" e "academia" (talvez não em todos os ambientes, mas, certamente, na maioria dos lugares onde "pastoral" faz sentido). Há-o, porque o há, também, entre "teologia" e "academia".

3. É falsa a rivalidade. A rivalidade que existe é entre a academia, iconoclasta que é, e certos modelos político-confessionais de pastoral, segundo os quais o pastor, a pastora, estão a serviço de Deus, logo, da doutrina, logo da fé... Onde pastor trabalha para a fé, danou-se, porque as pessoas estarão, todas, a serviço da fé. Uma ingenuidade eventualmente incurável há de considerar que haja uma relação indissociável entre fé e Deus, e, então, achará muito natural que pastores e pastoras trabalhem para a fé, porque, afinal, trabalham para Deus...

4. Não posso pensar assim. Não concebo (mais) a possibilidade de se falar de Deus, senão miticamente, mitologicamente, e com a consciência dessa condição mitológica/imaginativa, criativa, desse discurso. Logo, ele não pode, jamais, servir de base para o que quer que seja. É estético. E, se não é assim concebido, é perigoso.

5. De outro lado, concebo a fé, isto é, a doutrina, disfarçada quantas vezes (todas?) em revelação, como um velho embuste dos estamentos mais elitizados da sociedade: fazer como que vindas de Deus verdades nutridas no ventre. Logo, estar a serviço de "fé" é como estar arando um terreno, com a canga sobre o pescoço, sem dar-se pelo boiadeiro. Deus é invisível, digamos assim: já a fé, é a contra-personalização retórica e política do Poder.

6. Já a pastoral, ei-la gritando nas livrarias: auto-ajuda. Se, por um lado, eu gostaria de pensar rogerianamente, o fato é que as pessoas, aos milhares, aos milhões, aos bilhões, prercisam de ajuda. Para mim, a pastoral é isso - e nada mais do que isso. Ajuda e serviço às pessoas. O véu mítico, místico, mágico, teológico, dessa pastoral, vá lá, é a transposição do pathos da caridade para a ordem da imposição profética: cuidar das viúvas... Não preciso - e se preciso, algo deve estar profundamente errado comigo - imaginar que Deus me mande fazer caridade. É a necessidade do outro que deve me vocacionar. Um pastor não é vocacionado por Deus - vocaciona-o a face das gentes. Se é Deus a vocacioná-lo, não são as pessoas seu foco...

7. Nesse sentido, a crítica, a academia, as ciências, de modo geral, são ferramentas relevantes para a pastoral. O lenga-lenga doutrinário/confessional pode ser perfeitamente secundarizado (não chegarei, ainda, a dizer, abandonado...). Com o tempo, quando a pastoral olhar para o rosto do homem, e não para o rosto de Deus, verá que a vocação permanece... e mais autêntica.

8. Em 2010, talvez eu me veja compelido a pensar seriamente a pastoral e a academia - e não pelo fato, cada vez mais inimaginável, de eu mesmo me envolver, pessoal e diretamente, com a pastoral. Será um ano interessante. Seu dezembro me trará revelações sobre mim mesmo, então...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo

Nesses dias, tenho lido o "Pedagogia do Oprimido" do Paulo Freire. Um dos subtítulos é "Ninguém liberta ninguém, minguém se leberta sozinho: os homens se libertam em comunhão". Freire deixa claro a necessidade de que as pessoas se concientizem de sua condição desumanizada e assumam a autonomia de suas vidas a fim de se humanizarem. A função dos educadores não é dar-lhes liberdade, mas construir uma realidade livre com eles. E não devemos esquecer que Freire dá ênfase à reflexão crítica da realidade

Não seria esse um caminho para a pastoral? Ajudar as pessoas a se concientizarem - e criticamente - a fim de assumirem a autonomia de suas vidas - e em comunhão?

Parece que o problema seria a autonomia. A pastoral parece ter pavor dessa palavra...

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio