1. ... e, de resto, com ninguém que para lá caminhe. Definitivamente, não dá para assumir, de modo consciente, um paradigma dessa natureza. Cito-o e esclareço o ponto em que divirjo categoricamente do arrazoado:
2. "É mais fácil ainda (...) mostrarmos o êxito do processo - a dissolução da metafísica da presença e a redução do objeto em poder do sujeito - tem globalmente o significado de liberar o campo para o reconhecimento do caráter de anúncio e interpretação que é constitutivo de qualquer verdade, até mesmo da verdade das ciências duras, experimentais.
3. A consciência cada vez mais aguda da historicidade do paradigma científico coloca a epistemologia contemporânea em condições de reconhecer que mesmo a ciência da natureza é problema da história da interpretação e da história da salvação: não existe verdade fora de um horizonte aberto por um anúncio, por uma palavra transmitida. Não se pode opor à palavra transmitida a verdade dos objetos..." (Gianni Vattimo, Depois da Cristandade, p. 85).
4. Não dá. Vattimo, aqui, comporta-se como um platônico clássico, conquanto um tanto desfigurado - mas, na prática, um platônico. O "real" deixa de ser epistemológico - deixa de "contar". A verdade é reduzida a uma wittgeinsteiniana-rortyana discursividade retórico-estético-pragmática. O homem tornou-se mero sopro discursivo. Os objetos não existem mais. Não há nada de real na realidade, apenas uma pálida referência ao gosto de dizer dele o que se pode, quer, deseja... O princípio da realidade é negado - filosoficamente!
5. Ora, não se pode esquecer que a vida humana não é um dado em si, a partir do qual se pode pensar a "verdade". A vida humana é um fenômeno situado biologicamente, ecossistemicamente. Para a sua sobrevivência, quer queira, quer não, o homem deve submeter-se ao real tal qual ele é e se apresenta a cada um de nós. Não importa como você vai chamar o cianureto. Chame-o de Greta Gargo - ainda assim, matará você. Não importa como você descreva, sob sua retórica de desejo, a cicuta - ela, ainda assim, matará você. Não importa o quanto você tente enfiar-se numa sauna acima dos 100 graus - há aquele limite terrível, a partir do qual você assa, frita, cozinha.
6. Essa espécie de argumento de Vattimo faz um esforço hercúleo para resolver coisa nenhuma, como se as convenções humanas dessem conta de sua instalação no planeta. Não dão. Não passam de regras sociais. Mas as regras sociais nada são diante da realidade. A ecosfera não pede conselho a essa espécie de argumento - ela simplesmente esmaga toda tentativa ingênua e política de desprendimento.
7. Piada essa história de dizer que não se pode opor a verdade dos objetos à palavra transmitida. Nem Vattimo acreditará nisso, quando chegar a hora. Quando saímos das salas de aula, dos livros, e quando vamos à vida real, a verdade dos objetos, que tentamos capturar na linguagem, conta. E contará para Vattimo, mais cedo ou mais tarde. Quando, por exemplo, precisar recompor seus níveis de Ácido Ascórbico e lhe tentarem vender Calciferol, ou necessitar de uma medicação específica para Taenia saginata e lhe receitarem corticosteróide, ou depender de antídotos para a Crotalus durissus terrificus e, por convenção, lhe disserem para não esquentar que basta chamá-la de cobra-cega que tudo se resolve, porque, afinal, a verdade não está nos objetos... É ou não é uma piada? Ao amar Maria, de noite, ensaie chamá-la de Joana... No contorcer-se e no esgar da face dela, encontrarás o fim dessa filosofia de Platão...
8. No fim, encontram-se duas situações: a) quer-se desintegrar o conceito de verdade como relação entre idéia e objeto, e b) tudo por uma questão fundamentalmente política, como me parece bastante clara a intenção dessa outra passagem: "na verdade, é até por demais óbvio que, uma vez liquidada a metafísica da presença, a interpretação 'boa', válida, não mais poderá, absolutamente, se configurar como aquela que toma 'fielmente' (literalmente, objetivamente etc.) o texto" (p. 86). Ah, é - e qual será, então? Aquela que a comunidade decide? Que tal, então, decidirmos que o sonho de Luther King tinha era o de uma América em que os negros estivessem enfiados nas senzalas? Não será por isso que se danou a falar de Nietzsche tanta coisa imprópria, desmascarada, agora, por Losurdo, e que, também por isso, se deve, justo quem!, dizer que, no final das contas, diga-se o que se quiser dizer, é tudo a mesma coisa? Se "ler" é ouvir que se escreveu, perdoe-me, Vattimo, claudicas... Agora, se "ler" é criar, é estética, é ludicidade em forma de ato, isto é, se vamos cortar o cordão histórico-psicológico entre autor e texto, programaticamente, aí vá lá. Mas não se ode dizer o que voce diz sem deixar claro que o que se diz só tem uma única circunstância de aplicação - o exercício criativo e estético de eisegese, de produção de sntido. Ah, a filologia transformada em artes plásticas!
9. Trata-se, até o fim, de política - a tentativa de sair do domínio de alguém, de alguma coisa, como se, em matéria de realidade, de real, de física, fosse possível fazer pirraça. Estão confusos nossos maiores filósofos, porque perderam de vista o senso de realidade, e cuidam que a vida é uma caixinha feérica de palavras coloridas...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. "É mais fácil ainda (...) mostrarmos o êxito do processo - a dissolução da metafísica da presença e a redução do objeto em poder do sujeito - tem globalmente o significado de liberar o campo para o reconhecimento do caráter de anúncio e interpretação que é constitutivo de qualquer verdade, até mesmo da verdade das ciências duras, experimentais.
3. A consciência cada vez mais aguda da historicidade do paradigma científico coloca a epistemologia contemporânea em condições de reconhecer que mesmo a ciência da natureza é problema da história da interpretação e da história da salvação: não existe verdade fora de um horizonte aberto por um anúncio, por uma palavra transmitida. Não se pode opor à palavra transmitida a verdade dos objetos..." (Gianni Vattimo, Depois da Cristandade, p. 85).
4. Não dá. Vattimo, aqui, comporta-se como um platônico clássico, conquanto um tanto desfigurado - mas, na prática, um platônico. O "real" deixa de ser epistemológico - deixa de "contar". A verdade é reduzida a uma wittgeinsteiniana-rortyana discursividade retórico-estético-pragmática. O homem tornou-se mero sopro discursivo. Os objetos não existem mais. Não há nada de real na realidade, apenas uma pálida referência ao gosto de dizer dele o que se pode, quer, deseja... O princípio da realidade é negado - filosoficamente!
5. Ora, não se pode esquecer que a vida humana não é um dado em si, a partir do qual se pode pensar a "verdade". A vida humana é um fenômeno situado biologicamente, ecossistemicamente. Para a sua sobrevivência, quer queira, quer não, o homem deve submeter-se ao real tal qual ele é e se apresenta a cada um de nós. Não importa como você vai chamar o cianureto. Chame-o de Greta Gargo - ainda assim, matará você. Não importa como você descreva, sob sua retórica de desejo, a cicuta - ela, ainda assim, matará você. Não importa o quanto você tente enfiar-se numa sauna acima dos 100 graus - há aquele limite terrível, a partir do qual você assa, frita, cozinha.
6. Essa espécie de argumento de Vattimo faz um esforço hercúleo para resolver coisa nenhuma, como se as convenções humanas dessem conta de sua instalação no planeta. Não dão. Não passam de regras sociais. Mas as regras sociais nada são diante da realidade. A ecosfera não pede conselho a essa espécie de argumento - ela simplesmente esmaga toda tentativa ingênua e política de desprendimento.
7. Piada essa história de dizer que não se pode opor a verdade dos objetos à palavra transmitida. Nem Vattimo acreditará nisso, quando chegar a hora. Quando saímos das salas de aula, dos livros, e quando vamos à vida real, a verdade dos objetos, que tentamos capturar na linguagem, conta. E contará para Vattimo, mais cedo ou mais tarde. Quando, por exemplo, precisar recompor seus níveis de Ácido Ascórbico e lhe tentarem vender Calciferol, ou necessitar de uma medicação específica para Taenia saginata e lhe receitarem corticosteróide, ou depender de antídotos para a Crotalus durissus terrificus e, por convenção, lhe disserem para não esquentar que basta chamá-la de cobra-cega que tudo se resolve, porque, afinal, a verdade não está nos objetos... É ou não é uma piada? Ao amar Maria, de noite, ensaie chamá-la de Joana... No contorcer-se e no esgar da face dela, encontrarás o fim dessa filosofia de Platão...
8. No fim, encontram-se duas situações: a) quer-se desintegrar o conceito de verdade como relação entre idéia e objeto, e b) tudo por uma questão fundamentalmente política, como me parece bastante clara a intenção dessa outra passagem: "na verdade, é até por demais óbvio que, uma vez liquidada a metafísica da presença, a interpretação 'boa', válida, não mais poderá, absolutamente, se configurar como aquela que toma 'fielmente' (literalmente, objetivamente etc.) o texto" (p. 86). Ah, é - e qual será, então? Aquela que a comunidade decide? Que tal, então, decidirmos que o sonho de Luther King tinha era o de uma América em que os negros estivessem enfiados nas senzalas? Não será por isso que se danou a falar de Nietzsche tanta coisa imprópria, desmascarada, agora, por Losurdo, e que, também por isso, se deve, justo quem!, dizer que, no final das contas, diga-se o que se quiser dizer, é tudo a mesma coisa? Se "ler" é ouvir que se escreveu, perdoe-me, Vattimo, claudicas... Agora, se "ler" é criar, é estética, é ludicidade em forma de ato, isto é, se vamos cortar o cordão histórico-psicológico entre autor e texto, programaticamente, aí vá lá. Mas não se ode dizer o que voce diz sem deixar claro que o que se diz só tem uma única circunstância de aplicação - o exercício criativo e estético de eisegese, de produção de sntido. Ah, a filologia transformada em artes plásticas!
9. Trata-se, até o fim, de política - a tentativa de sair do domínio de alguém, de alguma coisa, como se, em matéria de realidade, de real, de física, fosse possível fazer pirraça. Estão confusos nossos maiores filósofos, porque perderam de vista o senso de realidade, e cuidam que a vida é uma caixinha feérica de palavras coloridas...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Oi, Osvaldo.
Semana passada tive uma dor de dente daquelas de ficar a noite inteira acordado agonizando de dor.
E não fosse a ação de alguns princípios ativos bem concretos e reais a dor não passaria e a inflamação do meu dente não seria curada. Por mais que anunciasse ou transmitisse alguma palavra a dor se oporia frontalmente a qualquer discurso. Tinha é que tomar remédio e pronto. Ou seja, uma simples dor de dente derruba todo esse castelo de cartas de Vattimo.
Um abraço!
Robson Guerra
Meu diagnóstico é que Vattimo e, de resto quem o segue, confunde (de propósito?) as plataformas pragmáticas política e heurística. Na política, sim, é o discurso quando, não, a força, e daí ser de todo compreensível que a Vattimo ocorra ser o discurso a melhor saída - na política, ótimo. O problema é que a estrada que escolhem para erigir esse "discurso" é aquela que faz de tudo... discurso. Aí, é só esperar a próxima dor de dente...
Postar um comentário