sábado, 7 de agosto de 2010

(2010/445) Vício epistemológico, mania das idéias divinas


1. Já disse uma e outra vez, mas repito: o grande "mico" teológico-filosófico (porque cripto-teológico) das "reflexões" históricas/filosóficas/teológicas do século XX - e, pelo visto, do XXI - é insistir na tecla - quebrada! - de que a Razão substitui a Fé. Antes, era "Deus" - agora, o "Homem". Antes, a Igreja, agora, a Cultura.

2. Bem, que antes era uma coisa e, agora, é outra, isso, sim, é um fato. Até certo ponto, é claro, porque o século XX é como o encontro das águas do Negro e do Solimões - o limite não é bem definido, e há uma área em que as águas se beijam. De muito perto, até, nem se percebe que as águas, afinal, são outras: é preciso observá-las de cima, de longe, à distância segura... Todavia, não se pode dizer que a dimensão de aparência do que era e do que é seja equivalente.

3. Sob nenhuma circunstância, a razão assumiu, jamais, a dimensão que a fé possuía. A Verdade pré-moderna era, em todos os sentidos, "divina" - quer dizer, divina nunca foi, nunca será, essa "verdade" não é outra coisa que mito. No entanto, os homens que a manejavam e os que se deixavam por ela manejar assim a consideravam, e, sendo assim para eles, e para os efeitos psicológicos e sociais, era. A razão, não. A razão não se arvora em estrutura divina. Sabe-se humana. Sabe-se instrumental. Qualquer um que trate a razão a partir da mesma plataforma de argumentação com que se tratava a "verdade" teológica equivoca-se.

4. Quando a sociedade ocidental desvencilhou-se cosmogonicamente da Igreja, passando a tratá-la como um componente da sociedade, todo o sistema de valores, normas, todas as operações epistemológicas, até então operados, ruiu. Num primeiro momento, as velhas perguntas precisaram ser respondidas por novos mecanismos de resposta. Mas mesmo as velhas perguntas, um dia, serão reformuladas, quando admitirmos que também elas constituíram vício pré-moderno. Não digo que cheguem a desaparecer, mas sofrerão uma transformação interna, porque a plataforma moderna operará uma mudança de consciência de fundo, de modo que essa nova consciência formulará de modo novo as velhas perguntas.

5. Mas o mais evidente, o mais claro, e, contudo, o maior equívoco filosófico-teológico é a "pirraça" anti-racional, ainda mais quando flagrada em denunciar que a razão não dá conta das respostas da fé. Quiá! Quiá! Quiás! Quiá! É ó-b-v-i-o que não, senhores! Não dá, não dará, nem nunca o há de querer, porque a razão não é um novo olho de Deus entre nós, uma paródia triste de os homens brincarem de Deus. A razão é a assunção da condição humana - o verme telescópico! Se ainda percorrem nossas veias as velhas inquietações, e se ainda saem de nossas bocas as velhas murmurações mitológicas, disfarçadas de altíssima filosofia, é porque ainda não nos demos conta, ou ainda não tivemos a coragem de aceitar, que a "verdade divina" só é possível por meio de um jogo de cavalheiros, uma partida regada a vinho. Mas, senhores, não façam da razão parte dessa encenação pública. A razão, senhores, é uma pá. Ela cava. Apenas isso. Cava. Ela não vai até as alturas de Ícaro. Ela desce até a porta de Cérbero...


OSVADO LUIZ RIBEIRO

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