sábado, 28 de agosto de 2010

(2010/465) Só o paradoxo salva Deus


1. Entremos no campo difícil da Filosofia da Religião, da Fenomenologia, da Teologia pesada, da Mística. A tradição budista já sabia: "se encontrares Buda, mata-o", porque, se o achas, não é Buda... E "Deus", todavia, é achado em todo canto. Deus é disponível. A tempo e hora. Os xamãs de todo tipo assoviam, e ele vem, de rabo abanando... Não nos damos conta de que isso, na esfera fenomenológica, é fazer de Deus um construto manipulável. E não nos damos conta disso porque a religião precia de um Deus útil. Um Deus não-manipulável, incognoscível, inefável é, para todos os fins, inútil. Logo, antes um Deus-poodle a um quase não-Deus - se não já um...

2. A Teologia negativa tentou contornar o problema: Deus só está no silêncio - se você sabe, se vê, se toca, se fala dele, peca. Não porque tenha visto, falado ou tocado nele, e, sendo ele um não-me-toques afetado, você, então, peca, mas sim porque você ousou pensar ser tal coisa possível, e ousou cair no pecado atribuído ao Anjo desgraçado do mito. Pecado dele, pecado seu, pecado nosso. A Teologia positiva, a das doutrinas reveladas, até ensaia expressões de colar nele adjetivos de inefabilidade, mas, cá entre nós, são adesivos de camelô, porque esse Deus dito inefável é anunciado dia e noite - nas catequeses até! Ora, que coisa inefável é essa de que se pode falar? Uma fraude retórica, obviamente. Se é inefável, infável seja...

3. O paradoxo, então, seria o desejo por um Deus inefevável e não-experienciável, preso no passado - memória - e no futuro - desejo - mas inexoravelmente indisponível aqui e agora. Esse estado de suspensão garante a manutenção do conceito de um Deus que é o "Totalmente Outro", sem as saídas idolatrizantes da Teologia positiva, qualquer que seja ela, poque fazem da doutrina a prisão de Deus, e, de Deus, um ídolo conceitual. O limite do conceito de Deus - depois do qual depara-se com o Nada, de modo que se trata de um limite muito fino e delicado - é a sua Inefabilidade absoluta, o Mistério insondável, e sua percepção em dois pontos do Tempo - o passado e o futuro, mas não-presente, não-disponível, no presente. De Deus, só a saudade e o desejo - mais nada.

4. Mas eis que um Deus assim é inútil. O que se quer de Deus é sua ajuda, sua proteção, sua bênção. Deus é o dispnesador, tem função. Deus é o protetor, tem utilidade. Um Deus do qual eu nada possa saber, nem falar, muito menos evocar, para o qual o culto é pecado, para que serve? E, todavia, torná-lo útil é convertê-lo em torneira, em ralo, em poço, em talher, em horta, em boi, em coisa. E, na prática, vai ver é isso que os Deuss são: coisas que criamos, coisas úteis, psicologicamente úteis, politicamente úteis.

5. Politicamente inútil é um Deus inefável. Mas, ao menos, é Deus. Já o Deus dos querigmas é utilíssimo, mas um construto político, e nada mais do que isso.

6. Que paradoxo difícil, meus amigos... A Utilidade ou a Inutilidade - mas qual dos dois se pode, de fato, escrever com maiúscula...?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Anônimo disse...

Osvaldo,
tenho lido alguns dos seus textos, e gostaria de lhe enviar algumas questões minhas pessoais. Se for possível, me diz para onde em luciano.pomponet86@gmail.com.br
Abraço,
Luciano.

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