quinta-feira, 31 de maio de 2012

(2012/470) Da função docente na Faculdade de Teologia

1. É duro passar pela adolescência. Para alguns, a infância em si já é terrível. Eu não sei se a Teologia acadêmica brasileira está em sua infância - e é terrível - ou em sua adolescência - e é pior ainda...

2. Mas sei que é duro.

3. O professor ou a professora de Teologia está a serviço de quem/que?

4. Da Igreja?

5. Da Fé?

6. Do Dogma?

7. De "Deus"?

8. Na maior parte dos casos, é o que os alunos "esperam". É o que eles acham que "deve" ser, isto é, que vai ser o que encontrarão lá, quando chegarem lá.

9. Compreensível. Não tanto, todavia, é quando os próprios professores têm algumas dessas respostas anteriores. 

10. Já cansei de ouvir coisas assim: na Graduação, trabalha-se para a "tradição", para a "igreja". É o arroz com feijão, o básico, a doutrina. No Mestrado, aí você pode aprofundar...

11. Hum-hum...

12. Convivi com doutores em Teologia que sabiam o que estava do outro lado da Graduação, mas assistir a uma aula de graduação deles era como estar numa aula preparatória para batismo - de nível 99, de luxo, mas nada que pusesse em risco o projeto...

13. Acho isso de mau gosto. Desonesto, até.

14. Acho que o professor de Teologia está a serviço: a) da verdade, b) da sociedade, c) dos alunos.

15. "Verdade". Nada de mentiras santas, de enganações bem-intencionadas. Mente-se a três por quatro, sonega-se, distorce-se. Uma aula de Teologia pode ser uma pantomima características de filmes pastelões de quinta categoria - para quem tem espírito sensível, algumas aulas poderiam ter efeitos colaterais irreversíveis.

16. A "verdade" está na História, na reflexão crítica, nos "fatos". Necessita de método, de rigor, de transparência, de imparcialidade, no limite do possível. Se os castelos de areia vão ruir, que seja! Verdade.

17. "Sociedade". Em última análise, são cidadãos em formação. Despertar neles o espírito crítico é normativo, imperioso, necessário. Os cursos de Teologia tradicionais, confessionais, são co-responsáveis pela robotização psicológico-hipnótica de gerações inteiras, praticamente lobotomizadas. Caso se tratasse de demência intra-muros, brincadeira de igrejas, nenhum problema: mas essas gerações estão na sociedade, são a sociedade, e não se admirem do rumo que a Igreja toma no Brasil, produzidas em série pelo mode "Bíblia e Oração", nas Igrejas, e reproduzida pelo modelo "Doutrina e Revelação", nos seminários. Os Macedos deitam e rolam - agradecidos...

18. "Alunos". Olhar para eles, nos olhos deles, e mentir para eles, com aquela conversinha de cerca Lourenço, embromando, apertando os nós que os amarram em mitos políticos, em mitos espirituais, em rotinas de submissão e controle, em heteronomia - imperdoável.

19. É criminoso o que se faz com alunos de Teologia. E temos aí um pequeno exemplo do que a religião é capaz de fazer, a despeito das coisas boas que ela pode oferecer ao espírito humano. Mas um professor de Teologia experimenta o poder de controle e manipulação de seus alunos até a próstata (ou o útero!), e exerce-o com gosto e dedicação.

20. Entretanto, educação pressupõe conhecimento, autonomia e crítica. O que fugir disso é adestramento, treinamento, inculcação, hipnose, doutrinamento.

21. Sei que o exercício crítico da Teologia põe os alunos em situações difíceis - desconstrói-se tudo, nada fica de pé. Mas a "culpa" - se há! - é da docência crítica? Ou a culpa - e, nesse caso há - é do sistema de falácias que gira em torno da fé, sistema que não suporta meia hora de aula histórico-crítica?

22. Às vezes saio da aula cansado. Ontem foi um dia. Duas aulas pesadas. Muito pesadas. Os alunos revelam sua dor, suas crises, e a desconstrução tem de continuar. Há dias que me pergunto se é lícito da parte do professor descer tão fundo, tocar tão profundamente.

23. Mas o dia nasce, o sol brilha pela janela, e recomeçamos.

24. É o destino de Prometeu: todos os dias o abutre ou a águia lhe come o fígado: mas ele cresce de novo, e renovam as suas forças!



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Homens Corajosos disse...

Prezado professor, ter tido a oportunidade de olhar a Teologia conforme um histórico-crítico olha, isso foi uma das maiores coisas que já me aconteceram. Tive as minhas crises, mas decidi encarar de frente, sofri, doeu muito, mas continuo buscando...não sei o quê...
Mergulho de cabeça na filosofia e tento me consolar...
Acredito ser um grande alento para um viver consciente.
Quero viver isso cada vez mais em minha vida-conhecer-

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